sábado, 30 de janeiro de 2010

DITADURA DOS NÚMEROS

Passaram há três dias, a 27 de Janeiro, sessenta e cinco anos sobre a libertação de Auschwitz, esse abominável campo de concentração, símbolo do terror, do Holocausto, que pela execrável orgia ideológica levou ao extermínio organizado, industrial, de Estado de milhões de Judeus e de tantas outras minorias que, indefesas, sob o jugo nazi, encontraram aí como noutros campos a sua via-sacra e o inominável assassínio sistemático e em massa.
Deus estava com as vítimas de Auschwitz mas impotente para agir!
Entretanto consolidaram-se as Democracias em espaços geográficos globalmente mais abrangentes e no minguar ideológico que a experiência passada aconselhou a conter pelas barbáries que, em nome das ideologias, o século XX veio a revelar impiedosa e prodigamente.
A linguagem dos números, do factual, da estatística, das sondagens, dos sufrágios, da economia no seu sentido mais amplo foi-se, metodologicamente, impondo como factor imprescindível de análise e decisão, não o duvido, incontornável no ocaso da política ao ponto de, hoje em dia, nos interrogarmos até onde esta não se impôs como ditadura omnipresente que legitimou, pelo sufrágio, aliás (!), logo o próprio nazismo.
Não nos esqueçamos que foi pelo sufrágio universal, pelo poder dos números, que o nazismo tomou, na Alemanha do Reich, o poder!
Hoje, as Democracias confrontam-se com dilema maior:
Gastam-se rios de tinta a falar no défice externo que as abala e constrange mas mais importaria sublinhar e pôr o enfoque no défice interno do desemprego que as inquina e interpela pondo-as, pelos milhões de desempregados que da cidadania plena se vêm excluídos, directamente em cheque!
A linguagem dos números é, por si mesma, suficiente para fazer esta incontornável constatação mas insuficiente se torna para estancar e inverter o desemprego crescente que a milhões e milhões dos seus concidadãos, desprovidos do poder dos números, isto é, do dinheiro, para o limiar da pobreza e da exclusão os atira!!
A linguagem dos números não é, por si só, bastante e ameaça tornar-se na ditadura explícita deles mesmos, subvertendo os fundamentos da própria Democracia!!!
E, então, que será do um e do zero, na consideração dos números, centrais que eles são, em que se incluem!?
O um és Tu e sou eu no que logo pela palavra se explicita;
O zero é o institucional, refém dos números e das abstracções macro-económicas que a Ti e a mim, nele não contemplados, excluídos porque escamoteados na impessoalidade das projecções, nos não contempla ...
E a desconfiança cresce na proporção sem saída da ditadura dos números, tornando-nos asfixiados reféns em subliminar campo de concentração maior ou gueto e sem fronteiras, perante o défice que se avoluma.
Arbeit macht frei, o trabalho liberta, não como na cínica e arrepiante máxima que aprisionava para o trabalho escravo e a morte os prisioneiros em Auschwitz, seguramente, mas liberta, liberta e aprofunda, torna coesa a própria Democracia e enquanto não se atalhar este problema central ao qual todos os outros se subordinam, mal vamos, seguramente!
O um és tu e sou eu, uma palavra, um nome e um desempregado é um cidadão quartado do exercício democrático e pleno da cidadania.
E quantas palavras, na autoridade que lhes assiste, um nome esconde ou revela!?
E quantas palavras de integração, de inclusão, num nome se afirmam!?
E quantas palavras, por outro lado, envenenadas no hermetismo impessoal dos números, corroem os próprios fundamentos da Democracia!?
Foi num contexto crescente de fragilidade social como aquele que hoje assola, globalmente, a Democracia que o nazismo encontrou campo fértil, o fermento do ódio e da destruição e a não ser atalhada a ditadura impessoal dos números, doente que está a Democracia, não nos livraremos de ameaças tão ou maiores ainda!
Inflicta-se, centrada no Homem, a lógica dos números e dela emergirá, aí sim (!), toda a diferença democrática ...
Sim, não haverá maus nem bons mas excluídos também não os pode haver!
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Janeiro de 2010

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

ALARME

Sou pequeno de tamanho
às minhas palavras as tenho
se fossem dinheiro quão mais
orçamento dos reais
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Seria um tesouro dos tais
de laços que sendo leais
a todos os que de antanho
mais seriam quando venho
-
Linguagem dos números tacanho
olhar pobre sem iguais
sem sobra ter só um lanho
-
Ferida cortante das tais
sem sentir quanto me assanho
no que sentindo são ais
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Janeiro de 2010

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

ENTRUDO

Rafael Bordalo Pinheiro, No Entrudo
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Ai minhas dores tantos males
tantas desgraças nos vales
ai que os apertos recaem
nos de sempre que não traem
-
Nos que não cedem lestos
às tentações que os atraem
nos que bendizem prestos
às bençãos que sobre si caem
-
Ai desgraçados entrudos
que aos poderosos não dobrem
senhores de si e de tudo
-
Ai daquele rubicundo
que acusado de imundo
se escude naqueles que sobrem
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 27 de Janeiro de 2010

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

MOMENTOS II

E, depois, o Sol, o Sol frio de Inverno ...
Frio e seco, retemperador!
Com aquela luminosidade única na nitidez das formas que faz sobressair, cristalina, ao fim de tantos e tantos dias de chuva.
O Sol ...!
O Sol frio de Inverno a clamar pela distância que se destapa ao longe, na linha do horizonte que ao mar, por fim, de novo o recobre do azul, empréstimo do céu.
Frio ...
Frio seco, gelado, a provocar um choque térmico que nos aquece, anima a alma, energético e bom.
A reclamar pelo dia, por um passeio junto à costa!
E as formigas atropelam-se à saída do formigueiro, prontas a retomar a sua eterna peregrinação que os rigores do Inverno, este ano, pareciam fazer perdurar sem fim à vista.
O Sol ...!
Espampanante e omnipresente, inundando tudo na contraditória luz que do negro ao branco, da prata ao oiro a tudo revifica na intensidade dos contornos que de autonomia própria se revelam.
Sol de Inverno que atinge o zénite!
-
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 26 de Janeiro de 2010

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

MOMENTOS I

Há momentos assim ...
Que nos apertam o coração esvaído de tanto dar ou de apenas julgarmos já tanto ter dado!
Há momentos em que, como se de superfícies frontais se tratassem, nos sentimos carregados, carregados de nuvens negras e em que a humidade, a neurastenia nos entranha os ossos.
Há momentos assim ...
Momentos menos bons em que apenas desejamos dormir eternamente!
Aconchegarmo-nos no quente do calor que nos embalasse para sempre num torpor bom, turbilhão de afectos.
Há momentos assim ...
Momentos cansados, fugidios momentos!
Momentos em que, por tê-los, nos damos melhor conta daquilo que somos.
Há momentos assim ...
-
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 25 de Janeiro de 2010

domingo, 24 de janeiro de 2010

JANELAS

Six
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Entro nesta janela
pequenina
minha sela
sou bandeirante
quadrante
marinheiro
cão sem trela
-
Tenho um rumo
traçado
que é o meu guia
quadrado
noutra janela
encenado
é o meu fado sulcado
-
Navego
por estes estrados
fundos sem fundo
profundos
nestas janelas
meus brados
que se desejam escutados
-
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 24 de Janeiro de 2010

sábado, 23 de janeiro de 2010

SOU

Thinking
-
Sinto o que sinto
quem sou
importará ao que vou
sou o que escrevo
e que dou
sou as folhas deste trevo
e tanto o mais que ficou
-
De que adianta chorar
outros tempos
falta de ar
sou o que escrevo
murchou
o que não tinha para dar
-
Desencontrados sinais
que se sentem
sem parar
é o que sou muito mais
do que parecia cessar
-
Neste mundo já não sou
o que seria sem estar
não me rendo
sou quem sou
sou o que escrevo
a suar
-
Rodopiam em contra-ciclo
fraquezas por não singrarem
pois as forças que transporto
logo as ceifam por se darem
-
Sou o que escrevo
o que sinto
aos contratempos
os finto
-
( Dedicado a um Amigo, VG, em contra-ciclo, triste com os caminhos do Mundo )
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 23 de Janeiro de 2010

MAIS UMA DEDICATÓRIA

José Ferreira, Neurónios
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Um dos meus mais assíduos e interpelativos comentadores, José Ferreira, que se dedica às artes plásticas, decidiu, recentemente, fotografar convenientemente os seus trabalhos, visíveis em http://somethingformypleasure.blogspot.com/.
Como Lhe tinha prometido, agora sim, posso pronunciar-me, de algum modo, sobre as Suas criações, pelo que transcrevo este poema da Sua caixa de comentários:
-
NEURÓNIOS
-
Curvilíneo emaranhado
rede
e meu brocado
é um bocado de mim
literatura sem ter fim
-
Três pespontos
como contos
escuros
em frenesim
neles me vejo e a ti
e à pura distancia de um sim
-
Brota da rede
em cachos
néctar de uvas
elixir
são os neurónios
harmónios
a vontade de existir
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 22 de Janeiro de 2010

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O OUTRO

Renato Ferrari, Prece, óleo sobre tela
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O Outro, criança, mulher ou homem é inviolável!
O Outro pode ser um prostituto mas ainda que o seja, guarda em si mesmo, indefinível ou por de humanidade ser feito, região demarcada, sua exclusiva pertença, caixa forte inviolável.
Não está, a sua inviolabilidade, numa região morfológica específica do seu corpo mas está nele, é ele!
Pode ser mulher ou homem, ambos ao mesmo tempo, predisposto ao que quer que seja e mais ou menos censurável pela moral e pelos costumes vigentes que não deixa, em qualquer caso, de salvaguardar para si o que sendo seu lhe não pode ser sequestrado, roubado, alienado, lugar forte, ele também, não menos inviolável.
Pode ser uma criança e essa é-o, por natureza, inviolável.
O Outro é lugar sagrado, singular e irrepetível, ímpar, sacrário de Deus, dos deuses e do Homem.
O Outro é a fronteira limite e soberana do relativismo!
O Outro és tu e sou eu ...
O Outro és tu a quem não posso violentar nem invadir, com quem não posso ser intrusivo tal como tu, comigo próprio, também o não deves nem podes ser.
Ou te amo ou não te amo mas se te amo é para a vida que te terei de amar ...
Não te poderei usar nem manipular.
Não te poderei, tão pouco, descartar.
O Outro é o lugar sagrado de mim mesmo!
-
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 22 de Janeiro de 2010

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

SÚMULA

Moisés e os Dez Mandamentos
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Em resumo, no Catecismo da Igreja Católica, a propósito dos dez mandamentos, lê-se:
-
( ... )
" Estes dez mandamentos
resumem-se em dois que são:
Amar a Deus sobre todas as coisas
E ao próximo como a nós mesmos."
-
Eu, em súmula, aos dez mandamentos, resumi-los-ia antes assim:
-
Se eu amar o Outro
como a mim mesmo me devo amar
na salvaguarda da sacralidade única do singular
é como se já a Deus
O amasse também
-
A religião ou tem ou não tem um vínculo amoroso com a realidade concreta e singular.
Se o não tiver, de que servirá um Deus amado sobre todas as coisas?
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 20 de Janeiro de 2010
José Pádua, A Fome

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

CONFESSIONAL

Jheronimus Bosch, Hell, detalhe
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Há quem fale escudado na estatística, eu, porém, prefiro falar escudado na minha própria experiência e ainda que, avalizado, eventualmente, pela primeira.
Digam-me um não e a mim apetece-me logo experimentá-lo!
Há limites, claro, mas excluindo-os àqueles que implicam com a integridade e liberdade do Outro, como os sejam os que dizem não roubarás, não violentarás ou não matarás, ai Jesus ...!
No entanto, estes preceitos poderiam, podem ser sempre ditos pela positiva!
Claro que a maturidade fornece outros rapports, acquis que nos vão moldando, imunizando até na perspectiva de não reagirmos mimeticamente e pela inversa em função do que nos é dito ou prescrito, mas ...!
Por estes considerandos, que desejos reprimidos pelo não que logo o transformam em campo fértil e terra de ninguém e de atracção, regido, esse sim (!), pela lei do mais forte ou pelo que, a tudo ou quase, no seu seio, permite ...!?
De não em não, experimentado um e satisfeito o outro desejo, nessa terra de ninguém, sem rei nem roque, sem regulação que não aquela que ao não o comanda, desregula (!), logo outros se impõem, quantas vezes e mesmo que entre eles não exista qualquer relação de causa/efeito que não aquela do sabor proibitivo que ao desejo, desregulado, o alimente, insaciável.
O não é campo fértil de enormidades que, a esta luz, se explicam pela atracção irresistível que, à volta dele, no seu ineludível campo de atracção, campeia.
Sim!
Porque não a integração de pleno direito, direito esse sim (!), que ao Outro o preserve e salvaguarde, logo sem cedência ao relativismo, da homossexualidade e que não representa qualquer fim da História antes sim, porque não, o seu verdadeiro princípio!?
Porque não outro olhar sobre os costumes!?
Noutra esfera, porque não o sacerdócio da mulher!?
Porque não o casamento dos sacerdotes!?
Porque não, senão por questões de política doméstica, de gestão das consciências, circunstancial, oportunística e patrimonial, administrativa da própria Igreja!?
Mas, em verdade, a própria administração patrimonial dos bens da Igreja impõe, pelas perspectivas clamorosas que se desenham e chamando em meu socorro, agora sim, a Estatística, outro olhar e abertura para tão candentes perguntas que mesmo à luz da Doutrina, dos Textos, à própria Igreja, por falta de resolução, a asfixiam e estrangulam!
E nessa admissão, no esboroar dos seus receios e divórcios com o Mundo, aliás em incongruência com um não tenhais medo (!), tão propalado e que deveria ser antes um tenhais ousadia (!), que valia acrescentada a Igreja não acrescentaria na Sua pacificação com o Mundo ou Consigo própria e no sanar das guerras religiosas que em Si mesma, interstícias A atormentam e no desfazer do acirrar obstinado dos conflitos que entre Ela e a Cultura a assolam, a Ela e com o Mundo, crescentemente!?
Ai sim, não é mantendo-se à retaguarda, numa posição defensiva, balcanizada e acossada, mal Consigo própria, o tempo das catacumbas também já lá vai e ser guardiã não é nada disso (!), que a Igreja se poderá reencontrar e recentrar-se na liderança espiritual, religiosa, religada, íntima e privada com cada qual, entenda-se!
O relativismo, sempre tão condenado pela Igreja, está, ele sim (!), intimamente associado ao não, no campo sem regras que abre e faz campear por tanto mais não que se diga!
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 19 de Janeiro de 2010

domingo, 17 de janeiro de 2010

MAIS

Enquanto prevalecer o paradigma do quero mais
mais bens materiais
e que remete para cada um de nós
os estados ricos terão
como as recorrentes crises que os assolam o comprovam
cada vez menos recursos para acudir às trágicas situações que por esse mundo e no seu próprio seio proliferam
e que se percutem logo sobre os mais fracos
e pelas represálias do terror que
inevitavelmente
sobre si próprios
se abatem
-
Sim
quero mais
mas o mais que eu quero tem a ver com a exigência que a mim próprio me imponho e que se traduz em desejo de criatividade crescente e assertiva
-
Sim
neste sentido quero mais
e nada existe de ilegítimo neste meu anseio
-
De noite e de dia
-
Sim
quero mais
-
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 17 de Janeiro de 2010

sábado, 16 de janeiro de 2010

PUTATIVA ENTREVISTA COM UM EDITOR

Joel Nakamura, Face With Hourglass And Lightbulb
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- Então, caro Jaime, vamos lá a seleccionar o que seja conveniente com vista a uma edição ...
- Seleccionar!?
- Seleccionar sim ou pensa o meu amigo que poderá editar tudo!?
- Não só penso como acho mesmo que sim!
- Vejam-me só, mas porque carga de água!?
- Olhe, ainda ante-ontem escrevia que estava com o pensamento cheio de palavras e julga o quê, o pensamento enche-se das palavras que a partir do que antes escrevi nele, nesse poema se despoletaram e nesta entrevista, por fim, desaguaram...
- Ah sim!?
- Sim e sabe porquê, porque umas coisas conduzem às outras como num ininterrupto fio de água, fluxo, processo diarístico ao qual, pleonasmo à parte, não se podem arrancar folhas ao diário ...!
- Mas, caro Jaime, por quem se toma!?
- Tomo-me por quem, por muito que finja, estou sempre fingindo aquilo que sou mesmo e, portanto, não me posso esquartejar!
- Ó messa!
- Sim, é exactamente assim, sabia que até hoje não houve uma folha rascunhada que não se tivesse transformado em folha de mim mesmo?
- Ai sim, e depois!?
- E depois, nada se explicaria sem o passo anterior e mais, desde que iniciei este meu blogue, sem as linhas de pensamento que nos seus bastidores, nas caixas de comentários ou de correspondência, se desenvolvem também, como se elas próprias conduzissem ao passo seguinte e mais, incluídas as ilustrações, gráficas ou sonoras e que, entretanto, não foram suprimidas ...
- Ora esta, repito, meu caro Jaime, por quem se toma!?
- Tomo-me por gente, pessoa de corpo inteiro que como tal, não pode ser negociada e, mesmo assim, já não falo de tudo o que para trás se encontra depositado em arquivos e bibliotecas importantes como as sejam a do Centro Nacional de Cultura ... não lhe parecerá sintomático!?
- Mas ...
- Mas, coisa nenhuma, não poderá dizer que não sou flexível, eu até estou disposto a ceder nas ilustrações gráficas e musicais e em tudo o que precede este blogue, que dirá respeito a outras edições (!), o resto é um livro interactivo que à sua própria correspondência, indissociável e instantânea, se associa!
- Mas, e o meu risco, o risco da edição poder vir a tornar-se num flop de vendas!?
- Em risco e no fio da navalha ando eu há muitos anos e, saiba, o escrutínio da arte como da pessoa que a ela, intimamente, se associa não é coisa que se negoceie ou sufrague assim pela prospecção do número de vendas, de braço no ar ou por voto secreto ... quem não arrisca, não petisca, é esse o meu lema, meu caro editor e que ela, a produção artística, nem que mais não seja, fica lançada no ciberespaço, fica e agora veja lá se àqueles que me escamoteiam quer ficar associado ...!
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 16 de Janeiro de 2010
Blog In Golden Letters With Digital Book

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

CHEIO DE PALAVRAS

Tenho o pensamento cheio de palavras
escorrem-me do céu da boca
e algumas caem-me no teclado
onde os dedos as moldam e fixam
nesta folha virtual
-
Tenho o pensamento cheio de palavras
que pingam como chuva miudinha
até chegarem aqui
dispondo-se em caudal
de vida e de sal
-
Tenho o pensamento cheio de palavras
umas perdem-se mas as que ficam
fertilizam tua terra e como rega
transformam-se
do teu ao meu olhar
num querer que respira a navegar
-
Tenho o pensamento cheio de palavras
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 14 de Janeiro de 2010

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

PORQUE SERÁ

Arte do Haiti
-
Porque será que a desgraça arrasta consigo maior desgraça num ciclo avassalador de dor e de destruição?
Porque será!?
Porque será que, aparentemente impávidos, diante dela, fingimos que nada se passa?
Porque será!?
Teremos medo que ela nos contagie?
Porque será!?
Ou apenas vergonha de, tomados por ela, nos sentirmos proscritos?
Porque será!?
Porque não encará-la de frente, com a indignação bastante de quem sabe não se querer abandonado, nem por Deus nem pelos Outros, nossos iguais e mesmo quando esse ciclo, vicioso, infernal, se confunde com o maior, o derradeiro dos abandonos?
Porque será!?
É nestas alturas que todas as teorias não chegam para escamotear a solidariedade sem a qual, de facto, o imperioso dever que temos para com os nossos iguais, nem se consubstancia nem se realiza!
-
( Diante do terramoto no Haiti )
-
De acordo com * LISA B * a quem agradeço a solidariedade demonstrada na caixa de comentários desta página, as formas de donativo para o Fundo de Emergência da Cruz Vermelha Portuguesa - apelo vítimas do Haiti, são as seguintes:
1. Nas caixas multibanco ou por netbanking, optando por «pagamento de serviços» e marcando entidade 20999 e referência 999 999 999.
2. Efectuando um depósito ou transferência bancária para as contas «CVP - Fundo de Emergência»:
Millennium BCP - Conta: 45307610691 NIB: 0033 0000 4530 7610691 05
CGD - Conta: 0027082402230 NIB:0035 0027 0008 2402230 53
BPI - Conta: 3631911 000 001 NIB:0010 0000 3631 9110001 74
Santander Totta - Conta: 000314691778020 NIB:0018 0003 1469 1778020 27
BES - Conta: 0001 4968 7394 NIB:0007 0000 00149687394 23
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 13 de Janeiro de 2010

PORT-AU-PRINCE

Wilfredo Lam, La Jungla, Negritude Painting
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Haiti
francófono país
desgraças vis
negritude das américas
esquecido
estremecido em fortes réplicas
-
Percutem-se em mim
neste momento
em dor
de Humanidade
sem sustento
-
Ó dor imensa
porque será que em Ti se prensa
-
Uma vez mais
choro e silencio
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 13 de Janeiro de 2010

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

COMPACTADA PROSA

Loren Adams, Bumble Bee Music
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argamassa compacta abalanço-me a ela num respiro profundo e num impulso escrevo-a aqui e assim sem pontuação deixando ao Vosso critério a interpretação o pausar onde seja e as respirações desta prosa que se abalança num extenso acumular compactado e cru em ondas zumbidas e prenhes de palavras e mais palavras a desafiar a Vossa capacidade de a ele o burilarem tornando-se inteligível pela entoação que se lhe venha a conferir e como se numa respiração só fundo suspiro ao texto o pudésseis vir a dividir nos apropriados períodos ou versos feitos de outras tantas respirações em que o conseguísseis sublimar ou não nesta interpelação que provocando a Vossa interactividade com o que escrito assim depositado e sem mais outras considerações aqui Vos deixo já que poético é ele de uma prosa por poemar num respiro longo e asfixiante voo rasante de moscardo cinzento frio húmido e neurótico carregado de nuvens arrepiadas e condensadas de stress e de calor quais sombras de buraco que à superfície transpira frio e congelante num parágrafo que de si próprio se conjuga e que duro e indecifrável será mas que nem por isso deixa de valer na neve do frio da noite que tarda em degelar e pese como pesa e alivia o calor de Vós recebido ah pois é incómoda será a minha escrita mas nem eu próprio pretendo que ela se livre desse propósito ainda que acolhedor eu Vos receba sem regatear no ar que se desanuvia ardente e lesto
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 12 de Janeiro de 2010
Kasimir Malevitch, Quadrado Preto Sobre Fundo Branco, 1913

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O DESENHO DE UMA PRIMAVERA

le printemps se dessine
(foto de Ben Gossens)
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Não me perguntes porquê, mas as árvores crescem sempre rumo ao céu e a Primavera não tarda a chegar mesmo que a chuva seja tão fria, tão molhada, na sua natureza de chuva semelhante à nossa própria natureza que somos água tanta água.
E quantos dedos já te emprestei para que com eles desenhasses a terra e iluminasses as páginas que escreves e afiasses os lápis como cantos da casa ou dos pássaros ou da mesa. Porque cantos são cantos e podemos sempre escrever com uma pena de pássaro ou do coração ou simplesmente apenas.
E quantos pincéis espalhei pelo jardim para que pintasses o vento da cor do tempo e em cada pé de lápis de pena de pincel brotasse um botão de rosa.
E assim desenho esta Primavera que te ofereço pela passagem do teu e do meu tempo.

-
.ao Jaime pelo seu aniversário.
eu sou o ladrão
que na noite calada
na noite gelada
te enfeita o coração
-
Manuela Baptista
Estoril, 11 de Janeiro 2010

sábado, 9 de janeiro de 2010

POEMA

Antero de Alda, Poema do Guarda-Chuva Aberto
-
Um poema é uma história
e
ao mesmo tempo
é música
uma canção concentrada
-
Tem princípio
meio e fim
recheados de musicalidade
e na persecução de um fio condutor
-
O fio condutor pode ser uma emoção
um fugaz sentimento
uma ideia sub-reptícia
um contra-senso
um clamor ostensivo ou luminoso
-
Depois há que sabê-los adornar
pintar
musicar
e pode ter a forma que quiser
-
Musicar no estrito sentido das palavras
no ritmo
rima
cadência
entoação que as conjuguem
-
Mas um poema é uma história
que diz sem dizer
canta sem cantar
ou que sem cantar nem dizer
tudo para lá do que se diz e canta
escreve e lê
desenha
condensado
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 9 de Janeiro de 2010
Antero de Alda, Poema do Guarda-Chuva Fechado

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

NUVENS

Chris Scarborough
-
Tal como o tempo metereológico que tem feito, adensam-se nuvens, carregadas nuvens no horizonte.
A Europa amarga!
Exponencial, o desemprego cresce;
Uns atrás dos outros, países desta União, ameaçam abrir falência;
Qualquer crescimentozito de zero, vírgula, qualquer coisita, como se fosse o bastante, logo deslumbra os governos como se, em si mesmo, fosse o bastante para tranquilizar quem quer que seja;
As restrições e os apertos sucedem-se como se não persistissem já de há muito ...
E, por esse Mundo ...!
Quem me leia nesta introdução, tentado será logo a definir-me como um rotundo pessimista mas, não o sou!
Sabeis pela produção, aqui, neste meu blogue arquivada que o não sou!
O Euro, em contrapartida, permanece como a mais forte, valorizada divisa no paradoxo de a não vermos replicar-se como moeda multiplicadora de riqueza produtiva, no contexto geográfico, insubstituível, para que foi criado.
Moeda especulativa!?
De investimento em si mesma na roda da chamada economia de casino!?
Ao mesmo tempo que as falências, por essa Europa, se sucedem ao ritmo mesmo das deslocalizações sem fim!?
Como se, por arrasto, a quebra da solidariedade à economia global a não pudesse vir a arrastar atrás de si!?
Numa vaga de fundo ainda maior e globalmente mais avassaladora do que a que nos reservou o ano que findou!?
Cheio de dúvidas manifesto os meus mais profundos receios e apreensões ...!
E estas dúvidas remetem, uma vez mais, para o que há muitos anos já escrevi e que se persiste em fingir que não se vê, qual metáfora da avestruz que mete a cabeça debaixo da areia.
Para quando uma verdadeira regulação económico-financeira concertada e global que às assimetrias de que a pobreza, persistente e cada vez mais cavada no mundo nos interpela, percutindo-se, crescentemente no, assim chamado, mundo rico e que urge, com emergência crescente, atacar, libertando a solidariedade que, em crescendo, brada por nós e que, à sua míngua, nos vai, paulatinamente, atolando.
Para quando, para quando o encarar de frente uma situação de enorme complexidade transversal, é certo, mas que não há como contorná-la!?
Não gosto de me repetir mas, o que em tempos escrevi, está escrito naquela a que chamei Carta A Um Economista e que precede em muito esta minha vaga informática e que aqui não dá, pela sua extensão e profundidade, para reproduzir!
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 7 de Janeiro de 2010
Jacek Yerka

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

REIS

Francisco Relógio, Os Três Reis Magos, Baltazar, 1979
-
Três reis
eram três
a majestade do mundo
a vontade do que vês
neste adorno fecundo
-
Não eram pobres os três
três eram reis com seus quês
eram as coroas do mundo
do tamanho que difundo
-
Os três Reis Magos
a uma estrela
seguiram
pela vereda
encontraram
o Menino
iluminado
e por ela
acarinhado
-
Eram três reis
eram três
apanhados
por uma rês
alimento com a fome
de quem não descansa
nem dorme
-
Eram três reis
e depois
não eram menos
que sois
de longe vinham
caminham
trazendo oferendas
e sóis
-
Eram três reis
eram três
-
Como se à noite Vos batesse à porta e declamasse os Reis
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 6 de Janeiro de 2010

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

ERA UMA VEZ UMA HISTÓRIA

Era uma vez uma história cheiinha de saudades ...
Ela tinha imensas saudades de outras histórias como ela e já havia tempo, muito tempo que não se encontrava com uma que fosse e que a ela lhe desse a devida continuidade.
Emperrava havia alguns dias sem conseguir sair do mesmo sítio como se incomodada por uma qualquer pedra no sapato, neste escondida, algures, teimosa e renitente, recusando-se a dele sair já que nele encontrava seguro abrigo amaciada pelo pé da história que entre a sua sola e a do sapato a almofadava num aconchego quente e acolhedor.
A história, que inventara a pedra, perguntou-lhe:
- Ó pedra, desemperras-me ou não a bota!?
A pedra, do seu aconchego quente e acolhedor, respondeu-lhe:
- Olha lá, e se, antes, me desemperrasses tu a história!?
Entaladas uma na outra, então, a pedra desvaneceu-se na história e esta, olhando-a admirada, viu nela a História toda.
Embaladas uma pela outra, nunca mais se separaram.
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( À Brancamar e à Manuela Baptista a propósito de um diálogo entre ambas na caixa de comentários de A Partitura da Fala em http://historias-com-mar-ao-fundo.blogspot.com/ )
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 5 de Janeiro de 2010