sexta-feira, 28 de setembro de 2012

BLOQUEIO

na noite europeia, fotografia via satélite
 

 

A fragmentação da Europa constitui a principal força de bloqueio da sua própria união e do ataque efetivo à crise que a ela e à moeda única as assolam.
Para além do que a sua unidade representa em termos políticos e institucionais, lembremo-nos que nunca a Europa conheceu um período que com o contributo institucional decisivo se encaminha para as sete dezenas de anos de paz na sua história, o que significa que há cada vez menos testemunhas vivas, presenciais, do período que a este o precedeu, quando falo de fragmentação a que é que me poderei estar a referir?
Falo das mentalidades fragmentadas que, não acompanhando a sua construção, ao cidadão europeu fazem percecionar o que nela se passa.
Independentemente da sua nacionalidade, o cidadão europeu tem da Europa a perceção distorcida que resulta do ângulo próprio da sua nacionalidade.
Exemplos:
Um cidadão do norte dirá que não é justo ter de sustentar as debilidades de um país do sul da Europa;
Do mesmo modo, um cidadão do sul dirá que não é justo que aqueles do norte da Europa não sejam mais solidários, isto é, que não desatem os cordões à bolsa.
Dando de barato que tanto o cidadão do norte como aquele do sul nada ou pouco sabem sobre o que de concreto se passa nos países da contraparte, qual dos dois é que tem razão?
Ambos e nenhum.
Para além do problema linguístico, em si mesmo uma vantagem enriquecedora mas também uma dificuldade acrescida que cava a incompreensão que daí, entre ambos, resulta, existe um problema de mentalidade ou de escala.
A escala nacional, diria, que distorce, seja num como no outro sentido, aquele que é o interesse geral e tanto mais quanto a globalização, com crescente agressividade, a olhos vistos se aprofunda.
Ambos têm razão porque visto da sua particular e distorcida perspetiva, por igual e perante as assimetrias que a ambas as regiões as caracterizam, a ser assim, os dois cidadãos em causa sentem poder vir a ser ou estar a ser já, por elas, prejudicados.
Nenhum deles tem razão porque um, seja ele qual for, já não pode passar sem o outro, isto é, pertencem ambos a um tecido integrado e que se integra cada vez mais e até porque essas assimetrias, bem vistas as coisas, são, eminentemente, europeias.
Tecido que, face a globalização imparável, não tem outro remédio senão aprofundar a sua integração.
Já não há como voltar atrás e pesem as mentalidades que não acompanham as necessidades de união.
 
We are all connected!
 
No entanto e uma vez que as nacionalidades e com exceção para o Parlamento Europeu, são, em si mesmas, o garante do tecido democrático do rendilhado europeu, acresce que os políticos continuam a jogar, sobremaneira e pela natureza das coisas, nos tabuleiros domésticos acentuando ainda mais a ilusão de que o que se passa no interior dos respetivos países é decisivo e o que se joga fora, no tabuleiro europeu, é secundário o que acentua ainda mais esse bloqueio de que falo e que, qual fosso, tanto emperra a Europa como um todo.
Paradoxo dos tempos que passam.
Os média, também eles, pouco ajudam a contrariar este bloqueio de que falo, isto é, as perspetivas distorcidas de que cada cidadão europeu parte.
Muito antes pelo contrário:
Os episódios da vida doméstica de cada Estado que à Europa a constituem assumem um tal peso e dimensão que o resto parece ser secundário quando o que se passa é exatamente o inverso.
Como ultrapassar esse bloqueio que, antes de mais, o é das mentalidades?
Há apenas uma maneira e partindo do princípio incontornável mas cada vez mais difuso o que, em si mesmo, é muito preocupante, de que todos temos a beneficiar reforçando a unidade e de que todos, fragmentados, não apenas sairemos prejudicados como não iremos a lado nenhum.
Olhe-se para o mundo e deixemo-nos de comportar, teimosamente, como avestruzes com as cabeças enterradas na areia.
Essa maneira consiste em, rapidamente, nos anteciparmos politicamente fechando o edifício que deve encimar a União Europeia!
Como?
Criando uma instância simples e ágil, pelas suas convicções eminentemente representativa, insuspeita, sem o ser executiva e de referência, preenchida por quem tendo dado provas de estar do lado, indefetível, da Democracia e da União Europeia, como um novo impulso, a aprofunde cada vez mais e à Europa, decidida e resilientemente, aproximando pontos de vista, contribua para a integrar, rematando e blindando o edifício político em que esta se tem, sem outra alternativa, de constituir.
Tão decidida e resilientemente como a atitude a que, de há muito, na equidistância que sempre me tem caracterizado, permaneço fiel!
Equidistância quer em relação às instituições, às nacionalidades e às forças políticas, sem filiação partidária mas no respeito de todas elas, garante dessa mesma equidistância, na salvaguarda da separação de poderes e do Estado de Direito que não me inibe, como o poderia, de expressar as minhas convicções e que pelo meu percurso público, tanto aqui como ali, me torna, por insuspeito, suscetível de congregar a confiança tão necessária mas em tão tamanho défice.
Saibamos, todos, agir com rapidez, blindando politicamente a Europa!
Escrevo, é certo, em português mas o português é parte integrante do mosaico linguístico europeu.


se conseguires harmonizar a tua Casa poderás vir a estar em condições de harmonizar a Casa Comum




Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Setembro de 2012
 
 
 

sábado, 22 de setembro de 2012

DEUS E OS SEUS



intencionalmente sem ilustração

 

O patriarca, o filho e o iconoclasta, tendo sido por Ele chamados, reuniram-se perante Deus.
Um, muito antigo, conhecido pelas suas tábuas, não menos pela sua iconoclastia e pelos outros dois venerado.
O outro, mais jovem, associado à cruz e filiado no primeiro.
Finalmente, o terceiro, ainda mais jovem, filiado nos dois primeiros e que, de tão iconoclasta a Deus, sim, como representá-lo, se associava diretamente.
Do mais antigo ao mais jovem, todos eles eram, porém, de tão antigos, de hoje e de sempre.
Deus virou-se para eles, força de expressão já que não se poderia virar pois se não era figura ou dificilmente representável, e disse-lhes:
Digam de mim o que quiserem, eu estou aqui, estarei sempre aqui e estou acima de todas as coisas. Bem podem voltar a cruz contra o crescente, o contrário ou ambos contra a estrela de seis pontas, todos a favor, contra ou fazendo chacota de mim que eu, sendo incomensurável, tão incomensurável que todos os vossos me adoram ou odeiam nessa permanente dificuldade de encontrarem o justo equilíbrio, estou acima dessas questiúnculas e se alguma coisa me abala e condói é que os vossos se acirrem uns contra os outros, em meu nome, contra mim e até à morte, se for preciso. Confesso-vos, é como se os vossos me extirpassem, me arrancassem aos bocados de mim contra mim próprio com a agravante de, não sendo carne ou matéria, bocado ou figura muito menos, me sentir nessa condição, não inteiro de mim mesmo mas mutilado, trucidado, esquartejado em farrapos ou pixéis com os quais os vossos persistissem em agredir-se e não menos a mim.
Os três, boquiabertos, ficaram, tanto quanto o imaginável, pasmados a olhar para Ele.
Disse o primeiro:
Mas, como é possível se em teu nome anunciei e preparei o caminho para a vinda dos outros dois!?
Disse o segundo:
Eu que me declarei teu filho e que anunciei em ti estar irmanada a Humanidade, que responsabilidade poderei ter nisso tudo!?
Disse, por fim, o terceiro:
Como é que tudo isso acontece se aos meus dois antepassados os tenho como profetas de Ti e de mim mesmo também!?
E fez-se silêncio.
Deus, então, continuou:
É como dizeis, voltai para junto dos vossos e já que nós todos aqui reunidos pouco mais podemos fazer sobre o que quer que digam ou façam a nosso respeito, se se rirem de nós, riamos com maior estrondo e fair play já que a autoironia é sacrossanta; se de nós disserem mal, não é a liberdade de expressão que nos faz maiores ainda e pela qual, hoje como sempre, os vossos, de todos vós, se continuam a bater, pois então, não estejamos prontos a atiçar a fogueira ou a dar parte fraca e tenhamos poder de encaixe suficiente, que o temos, que à maledicência a suplante; se, porém, de nós se aprestarem a dizer o melhor, cuidado não nos vão erguer, prontamente, uma estátua, caricatura sintomática da ideia que de nós possam fazer. Neste último caso e da imagem que de nós façam, aprimoremo-nos, abstraiamo-nos ainda mais. Se não tenho imagem, deixai, de mim ou de vós próprios, os outros fazerem as imagens que entenderem. É que, ponderai bem, se a não temos a todas as imagens as aglutinamos e por muito que as integremos tudo o mais, de nós mesmos, fica sempre por dizer. É exatamente por isso que somos grandes, infinitamente grandes e pequenos, não dimensionáveis. Eu, pelo menos, é assim que entendo a metáfora do olho por olho, dente por dente, violenta e negativa na aparência mas pacificadora e positiva que aqui, desta forma e como acabei de vos dizer se aplica e traduz!
E fazendo um esforço adicional, maneira de dizer, por fim, Deus rematou:
Nenhum dos vossos, limitados ou imagéticos que o são, seja através dos símbolos, a estrela, a cruz ou o crescente ou através dos Textos e logo dos signos que os corporizam, podem evitar aquilo que, na ânsia de me representarem, na sua essência, símbolos como signos, repito, o são: eles mesmos imagens, estradas de múltiplos sentidos, com os quais todos podem dizer tudo e o seu contrário. O tudo e o nada sendo que nós muito para lá desses conceitos visíveis, indispensáveis auxiliares que dos vossos o são, de facto, estamos.


a gestão de Deus é bem mais complicada do que à primeira vista, vista não porque não se vê, poderá parecer como os tempos que correm e que no passado correram o ilustram à saciedade
 

aqui e agora, enquanto esta permanecer como primeira página, intencionalmente, também sem ilustração musical
 

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 22 de Setembro de 2012
 
 
 

terça-feira, 18 de setembro de 2012

DAS CITAÇÕES

 

 
 
"Quem escreve de um modo claro tem leitores. Quem escreve de um modo obscuro, comentadores." 

( citação atribuída a Albert Camus )

 
Leio esta citação, olho para as minhas caixas de comentários e fico bem contente!
Terei razões para isso?
Será assim como o escreve, supostamente, Camus e sem desconsideração para quem quer que me comente?
Entre ter um comentário redutor do que escrevi ou nenhum, de facto, antes não tê-lo.
Alturas houve em que desejei que o contraditório, fundado no que escrevi, nas minhas caixas de comentários se desenvolvesse e essa é a razão simbólica que me leva a manter abertas as caixas de comentários mas o tempo vai-me demonstrando que tenho, de facto e a ser como Camus o escreve, mais leitores do que comentadores.
 
Albert Camus,
Paradoxalmente reflito, comento esta tua citação e ao fazê-lo, implicitamente, não estou a insinuar que ela seja obscura.
Não.
Como tudo, tudo tem a parte da frente e o seu anverso, o direito e o avesso, o claro e o obscuro e isto, independentemente da clareza ou da obscuridade com que se escreva.
Ter comentadores não é, necessariamente, sinónimo de obscuridade como não os ter, de claridade.
Não que não perceba o sentido do que tu escreves e pese embora se tratar de uma citação que nem sei em que contexto surge uma vez que, na breve investigação que fiz, não consegui apurá-lo.
Como todas as citações, elas agradam a uns, àqueles que nelas, num dado momento se revêm e desagradam a outros, àqueles que nelas, eventualmente, não se enquadram.
Mas daí até serem definitivas, clarinhas como a água, inquestionáveis, vai uma grande distância.
Às vezes tenho a sensação de que nos parecemos, cada vez mais, com aquelas antigas malas de viagens, rotuladas das etiquetas das viagens que fizemos, delas forradas apenas porque as fizemos, independentemente de termos ou não gostado das viagens nelas enunciadas.
Malas de etiquetas preenchidas ad hoc, mutilações caricatas das viagens que fizemos.
As viagens ou a obra, isto é, o contexto em que se integra a citação, transforma-se, assim, num patchwork, numa manta de retalhos ou adulteração das viagens ou do que foi escrito e deixa de ser a obra ou a viagem para passar, apenas, a ser o que dela nos agrada ou aquilo com que dela, quantas vezes com fraco critério, nos pavoneamos.
Esta citação, no entanto e independentemente de ser tua, não deixa de ser clara, plausível, pese embora eu a comentar coisa que, saberás, não me acanho de fazer.
 
Teimosamente, mantenho a caixa de comentários deste meu blogue aberta.
Como se, implicitamente, reafirmasse manter-me recetivo ao contraditório.
Não comento outros para que, em troca, me comentem a mim.
Não, não entro nesse jogo:
O que escrevo ou vale por si ou não vale.
Como não faço de uma citação um dogma.
Nem recorro ao dogma para, sistematicamente, me justificar ou a outros os silenciar.
Não sou, tão pouco, uma mala de viagens.
Sou a minha viagem que, por aqui e por ali, se desenvolve, com um princípio, um meio e um fim que ela, seguramente, não deixará de ter, correndo, embora, o risco de me vir a tornar, não na minha viagem mas no que dela, a terceiros, lhes aprouver.
A minha viagem, no entanto, não deixa de ser a minha viagem e não a de outro, citado ou não, qualquer que ele seja e por mais que com ele me possa, eventualmente, identificar.


não é um citação que faz uma obra mas se à custa dela alguém tiver refletido, a obra já terá valido a pena

- dá uma boa citação, não dá?
 
 
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 18 de Setembro de 2012
 
 

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

EM NOME PRÓPRIO

maior virtude, pináculo do Arco da Rua Augusta, Lisboa
 

 

Para que ao discurso político democrático lhe seja conferida a adesão com a realidade que lhe falta e que resulta do facto de ser feito em nome de uma teoria, de uma perspetiva, de um modelo ou suportado por um grupo, em qualquer caso, feito no plural, a ele lhe tem de ser acrescentada a dimensão singular, virtude maior sem a qual as pessoas, de facto, acabam por não passar de números, de abstrações, de realidades descartáveis.
Sem o por em causa, nem aos grupos e muito menos às instituições, o discurso político democrático tem de sair da escola em que se encontra, de há muito, enclausurado.
O discurso político tem de se referenciar, ele mesmo, ao instituto soberano que é o cidadão comum.
Instituto soberano de referência.
O indivíduo pode, simbolicamente, deve mesmo, prevalecer sobre as instituições democráticas que, sem que as ponha em causa, têm de o ter, sob pena de se desumanizarem cada vez mais, como alvo e fim último.
E é esse caracter simbólico, o do instituto singular e soberano de referência, que pode salvaguardar esse desidrato.
O desidrato de que o discurso político, sem tacticismos nem demagogias, sem disfuncionalidades tão pouco, se dirige e visa resolver os problemas das pessoas concretas.
Já agora, também, só tendo em vista o cumprimento desse desidrato é que se fecha o cume do arco em pináculo que à República Democrática, como valia, plenamente a justifica e à Monarquia Constitucional a complementa.
O tempo das revoluções, entendidas como uso da violência para atingir os seus fins, no mundo democrático, acabou.
 
Em nome próprio.
É em nome próprio e por provas dadas que a Vós me dirijo.
Vós, o coletivo nós, o institucional, o supranacional nós.
Olho para dentro e projeto-me para o exterior.
Sem escamotear o eu, o meu eu.
Conferindo-lhe dimensão própria.
A dimensão que ao coletivo lhe fornece enchimento, plausibilidade, salvaguardando sempre a equidistância de todas as legítimas diferenças, das múltiplas singularidades singulares ou coletivas.
Sem renegar, tão pouco, as minhas convicções embora frisando que são minhas e que, no respeito por todas as outras, a elas tenho direito.
Num permanente, sistemático esforço de convergência global.
Sublinhando o que nos une e pesem embora todas as nossas salutares diferenças.
Num discurso declinado na primeira pessoa do singular que em todas as outras se faz por rever.
Sem disfuncionalidades.
Num tempo de incontornável globalização, com todos os riscos de desumanização que, consigo, transporta, o sublinhar desta dimensão comum e singular torna-se tanto mais urgente quanto coletivos e democráticos, candentes são todos os nossos anseios que, neste quadro, se tornam mais expedita e efetivamente resolúveis ainda que possam obrigar a maiores ou menores sacrifícios sendo que mais a mais, para muitos já terá sido ultrapassado o razoável de todos os limites.
Tão expeditamente quanto a urgência dos desafios que temos pela frente e que à nossa sobrevivência comum, com qualidade, aquela que em décadas foi a pulso construída a fazem, sobremaneira, perigar.
Como, aliás, se constata.


na inabalável fidelidade democrática
 

 

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 6 de Setembro de 2012
 
 
 
 

terça-feira, 11 de setembro de 2012

BE AWARE

Vladimir Ilitch Ulianov, Lenin discursa
 

 

do que se torna pertinente registar

 
A um líder comunista

Jerónimo de Souza, Meu Caro,

 
Dizes:

“ … os homens valem sempre muito mas a importância é sempre dos coletivos, das forças organizadas … “

Acautela-te porque este filme, aquele que nesta citação se encerra pode queimar, queima como hoje, pela prevalência sistemática das organizações sobre o indivíduo, todos, tu incluído, o constatamos!
Organizações versus pessoa singular ou da génese que te justifica.
É certo que a pessoa, a mulher ou o homem, também não se podem impor, no sentido de subjugar, aos coletivos mas dar-te-ás conta da afirmação que proferes?
 
Vejamos:
Basta que o coletivo, a organização se confunda com quem a dirige.
Dir-me-ás que não, que o teu coletivo não se confunde contigo mas, não lhe sendo dado o destaque que ela merece senão a ti ainda que como a face do teu coletivo e a pouco mais como garante ideológico da organização, do coletivo, contradição nos teus próprios termos, sonegando, publicamente, o contraditório que dela, da pessoa, no coletivo se projete e impondo-se, este, sempre à pessoa, às mulheres e aos homens, que papel político transparente, democrático a ela, à pessoa lhe poderá restar?
Dito de outra maneira, que autonomia, que importância tens tu no teu coletivo?
A pessoa, a mulher ou o homem também não podem subjugar o coletivo, o coletivo das pessoas, repito, mas podem impor-se, naquele outro sentido de para lá dele, pelo contraditório, democraticamente, em importância se afirmarem ao ponto de, elas próprias se tornarem em institutos soberanos, o que, em si mesmas, potencialmente já o são.
O coletivo, esse também tem de ter por goal, por meta a pessoa concreta e independentemente da sua importância sob pena de esta não passar de um número ou de uma classe de números.
Classe … classismo de que tanto gostas, das classes que tanto dizes defender mas que ao grupo, ao teu partido, como bastião ou vanguarda e como, aliás, desabridamente o reconheces, em primeiro lugar, sobre as pessoas o fazem prevalecer!
Nenhum algarismo vale mais do que o 1 ( um ) e este, por isso mesmo, por ser a partir dele que todos os outros números se formaram, não pode subjugar o conjunto deles.
Tudo vai de como olhemos para o 0 ( zero ), o coletivo, a organização, o institucional, se como anulação ou abstração absorvente que à pessoa, às mulheres e aos homens concretos, quais catalisadores os potenciem e mesmo se excedem, porque o podem exceder, em importância, as organizações.
Tu, aliás e quer o queiras quer não, objetivamente, expressão de que, também, tanto gostas, impões-te ao teu coletivo e, na opacidade desse mesmo coletivo, como me poderás demonstrar que assim não é pois se a dissidência é nele, por sistema, excluída?
Como me poderás refutar o que acabei de escrever?
Sabes, uma coisa é certa, o que na tua afirmação se encerra ainda é o vício de raciocínio, a matriz ou forma nas quais, independentemente da maior ou menor opacidade que as caracteriza, ainda hoje enferma a generalidade das instituições, das organizações que, uma vez aqui chegados, sem as pôr em causa e pese embora a democraticidade que as regule, contudo e ainda, como se fossem redutos inexpugnáveis, as emperra.
A elas, organizações, às pessoas e às sociedades no seu conjunto.
Os números aí estão, candentes, a imporem-se sempre às pessoas, ao concreto da pessoa humana.
 
Cá entre nós e se queres que te diga:
Tu és a cara do partido constitucional de referência em função do qual, a régua e esquadro e mal ou bem, todos os outros se acomodaram!
Por isso é que os líderes dos outros partidos, teus adversários e por mais democráticos que eles sejam, não só são capazes de afirmar que és muito institucional, que o és e ainda bem, não é isso que está em causa, como não levantaram a voz ao que tu, com que irrefletida candura, no que a todas as embebe, ousaste, por todas elas, afirmar ou de como, produto das revoluções industriais, os partidos comunistas se transformaram, ironia das coisas, no motor das organizações, olhe-se para a China mais os seus dois êmbolos ou sistemas, isto é, do capitalismo global.
The untouchable communism.
Já agora e para que conste, este que, aqui, a ti se dirige não é, propriamente, nem anticapitalista, nem um anarquista empedernido, trotsquista tão pouco e, muito menos, um anticomunista confesso.

 
Sempre e ao teu dispor


do papel do indivíduo na História e do défice que na arregimentação sonega a afirmação singular
 

desde que esta afirmação foi produzida, um dia antes da data em que escrevo, deixei passar tempo suficiente e que tempos estes, até que, por fim, hoje e por mera coincidência de agendamento, a esta réplica a decidi publicar, neste dia 11 de Setembro de trágica memória em que, sem que se veja nisto uma indireta, milhares foram reduzidos a pó


 

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 20 de Agosto de 2012
 
 
 
 

sábado, 8 de setembro de 2012

CINEMATOGRÁFICO

Hitchcock, Psycho, 1960

 
 

O que se escreve vê-se

Sente-se

O que se escreve é uma sequência de imagens compostas pelos seus caracteres que
vistos em movimento
na sua fluida sucessão ganham vida

 Animação 

Como uma película composta por milhares de fotografias que se sucedem no projetor

Cada um de nós é um projetor que aos caracteres
com maior ou menor fluidez
em nós próprios
animados
os projeta

Faz refletir

Faz refletir e
de novo
os projeta ou não para o exterior de si mesmo

A película pode ser de pior ou de melhor qualidade

Tal como o projetor
mas a animação está nela
na película
independentemente de como se projeta ou não

Independentemente da qualidade do projetor

Saiba-se ler
isto é
 ver e fazer refletir 

 Fazer rodar e absorver a película 

A escrita
sendo eminentemente visual
táctil
por vezes
material sempre
converte-se ou não
refletida
ultrapassando todos os tecnicismos
em imaterial tangível
audível e
em última instância
em reflexo espiritual
intelectual ou pensamento
subsónico ou supersónico imaterial intangível

 

ler como escrever e tal como o cinema remetem-nos para outra e contagiosa, irresistível quanto real dimensão




Jaime Latino Ferreira
Estoril, 19 de Agosto de 2012
 
 
 
 

terça-feira, 4 de setembro de 2012

QUEM QUER VAI

Kevin Sloan, Globe

 

 
Decidi glosar, refletir a propósito de dois provérbios muito conhecidos, a saber, quem quer vai, quem não quer manda e quem tem boca vai a Roma.
Partamos do princípio que Roma, para além de ser a capital italiana, aqui, pode ou deve mesmo ser entendida e até porque, em certo sentido, o continua a ser, não apenas como o centro da cristandade mas também ou por isso mesmo, como o centro do Império que a precedeu, que nela implodiu e, nesse sentido, entendida como centro do mundo.
De um certo mundo que à sua volta, à volta de Roma girava.
Roma, no provérbio em que se integra, figurativamente, significa, portanto, isso mesmo:
O centro do poder seja ele entendido como o intemporal ou como o temporal.
 
Os dois provérbios entroncam-se e complementam-se um no outro.
Hoje e nestas plataformas em que nos movemos, quem quer vai mesmo e sem sair do mesmo sítio e nenhuma necessidade tem de recorrer a terceiros que não sejam estas plataformas, para ir.
Eu, daqui, posso mesmo chegar a Roma, seja ela entendida em que sentido o for, por minha boca, isto é, por via daquilo que escrevo.
Vou e por mão própria.
De tal modo que até dá que pensar que estes provérbios, sendo como por definição o são, retratos dos costumes, do consuetudinário, do que vem de trás, tanto melhor se aplicam e, desde já, no futuro imediato.
Ou virão, eles próprios, do futuro?
 
Quem quer vai, quem não quer manda.
Eu quero!
Quero em nome próprio, por provas dadas e sem interpostas pessoas e porque quero mando sem mandar, isto é, envio para a estratosfera e, logo, para Roma também.
Quem tem boca vai a Roma.
Eu vou e não me canso de ir!
Vou daqui, deste meu lugar virtual e sem sair do mesmo sítio e, amiúde, a Roma chego.
Tanto literal como figurativamente.
Se quero e vou, então, como se realizarão os dois adágios?
Será o costume desdito?
Será o futuro proscrito?
Será cumprida a minha aspiração?
Cá estamos todos para ver se sim ou se não:
Se querendo vou ou não vou, isto é, atinjo os meus objetivos.
 
Por fim, mandar:
Enviar mas, também, ter poder.
Ora se quem não quer manda, isto é, tem poder e se quem quer vai, onde iria quem vai se poder tivesse?
Por mais que simbólico, residual fosse o poder de quem vai?
Como o receberia Roma?
Não querer poder tendo-o é que é um desperdício tamanho do qual, quiçá, todos pagamos uma pesada fatura.


não há como fazer as coisas por gosto

 


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 13 de Agosto de 2012