segunda-feira, 29 de abril de 2013

ENCOLHENDO-SE, O ESPAÇO/TEMPO EXPANDIU-SE


contrativa expansão




Vivemos cada vez mais em menos tempo ou escrito de outra maneira:
Hoje em dia e numa crescente vertigem, em mais tempo são-nos proporcionadas uma quantidade de vivências que ao indivíduo, nem é preciso recuarmos um século, com uma esperança de vida, é certo, muito inferior à nossa, falo das cada vez mais vastas zonas do globo onde se vive com um mínimo de dignidade e qualidade de vida, não lhes seriam, no entanto, minimamente concedidas.
É certo que a esperança de vida vai, substancialmente, aumentando mas não menos certo é que o tempo de vida útil também corre a uma velocidade cada vez mais estonteante e vertiginosa proporcionando-nos uma miríade de experiências nunca antes, em tempo de vida útil, vividas.
Dir-se-á que esta dupla e paradoxal sensação decorre do exponencial desenvolvimento técnico/científico e sem dúvida que este ajuda a explicar a perceção que das minhas constatações anteriores decorrem mas esse desenvolvimento não explica tudo.
Se explicasse, tal equivaleria a dizer que tudo depende da nossa capacidade inventiva e que a realidade que a transcende da qual ela é reflexo, não só mas também já que não me ocorre, tão pouco, escrever que não estejamos munidos do livre arbítrio ou da capacidade de contrariar determinismos, não pode deixar, contudo e contrariando por igual tecnicismos como antropomorfismos, visões centradas exclusivamente em nós, de ser tida em linha de conta.

Tempo.
Tendo em consideração que este se perceciona diferentemente em função da idade cronológica que se tenha e das circunstâncias que decorram não menos certo é que, grosso modo, vivemos cada vez mais anos e cada vez mais vidas embora a nossa vida, como um todo, decorra num crescente ápice.
Espaço.
O mundo, tendo a dimensão que sempre terá tido, será (?), parece que encolheu ou que a ele, individualmente, o abarcamos cada vez mais amplamente ou que todas as distâncias se encurtaram entre mim e o meu semelhante independentemente da distância ( abarcamos, individualmente, cada vez maiores distâncias, sublinho ) que o separa de mim mesmo.
Dou-vos desta dupla perceção apenas um exemplo que, ainda nestes últimos dias, tive ocasião de vivenciar profundamente:
Há muitos anos atrás, mais de trinta, o que não eram trinta anos na vida de um antepassado nosso, provavelmente todo o seu tempo de vida útil quando hoje, graças a Deus, à minha a não dou por concluída, longe disso, deu-se um episódio entre um amigo meu e eu próprio do qual, por minha responsabilidade mas não vindo, no concreto, para aqui ao caso, não me orgulho mesmo nada.
Entretanto perdemos o rasto um do outro e, outro dia, por via das tecnologias da informação mas por mero acaso, voltámos a entrar em contacto um com o outro.
Tive, então, a oportunidade que não desperdicei de, por escrito, com ele desfazer autocriticamente os equívocos que nesses recuados tempos se geraram entre nós e que não deixavam de manchar a minha, como dizer, reputação ou que imprimiam uma nódoa que manchava a nossa e recíproca memória comum.
E, de repente, parece que nos demos a abraçar e ainda que à distância, na catarse que, não apenas em mim, julgo, por via da recetividade desse meu amigo e da minha própria iniciativa, se desencadeou.
Desde quando é que noutros tempos e deste modo, em tempo de vida útil, tal poderia ter assim acontecido?
Desde quando é que essa memória comum teria sido possível tanto de digerir como de resolver por uma como por outra das partes e sobretudo assim, de um momento para o outro?
Provavelmente o assunto ficaria por resolver e nunca mais teria tido a hipótese, quem sabe, de com esse meu amigo me voltar a cruzar e tanto mais quanto separados pela distância física, quanto mais ainda de resolver o contencioso que entre nós existia?

O tempo e o espaço encurtaram, contraíram-se pese embora, à nossa escala, ambos, encolhendo se tenham, simultaneamente, expandido.
Que sinal prodigioso dos tempos que decorrem!
Encolhendo-se, quer na esfera singular como para lá dela, o espaço/tempo expandiu-se.
No luminoso som que a escrita imprime e onde confluem ambas, a velocidade da luz com a do som, assim através dela se domine a sua arte, encurtam-se distâncias abrindo sempre novas e imprevisíveis potencialidades num tempo que, contraindo, se abre e se expande.
Como se tivéssemos dobrado um cabo que, julgaríamos, numa enganadora ilusão espaço/temporal, estaria completamente fora do nosso alcance vir a ultrapassar.
Se a uma porção de espaço/tempo, pela travessia de um Buraco Negro, a sujeitássemos a forças gravíticas de sinal contrário, aceleração/desaceleração, que a sua travessia e o seu desfecho, sem mais, desencadeariam, o que é que a essa travessia poderia, sem outras variáveis que nela interviessem, vir-lhe a acontecer?
Mas se a essa porção de espaço/tempo, em contraciclo, lhe somássemos a velocidade da luz cristalizada que pela sua verbalização ou consciencialização formulada por escrito, insuspeitada força gravítica maior, a contrabalançasse, onde poderíamos, então, vir a desembocar?


( a CG )

de quando o som atinge em cheio a luz ou de como agarrando a luz pelo som, isto é, pelo que dele se visualiza a ambos os fazendo, pela escrita, convergir, podemos ter entrado, com sucesso, noutra dimensão do espaço/tempo



Jaime Latino Ferreira
Estoril, 29 de Abril de 2013



quarta-feira, 24 de abril de 2013

CARTA A UM AMIGO MEU


o ponto azul, a luz e a sombra


( a um amigo meu cujo ceticismo, felizmente, me obriga a puxar de uma bateria adicional de argumentos )


Caríssimo,

Em defesa da Hipótese que defendo e possa embora, por antinomia, assim não poder parecer, vou-Lhe contar o episódio que se segue e, a partir dele, sobre ela refletir:
Em tempos, tive um aluno autista a quem, um belo dia, estava um dia de sol radioso, lhe perguntei:
Diz-me lá, para ti, o que é o sol?
Prontamente, esse meu aluno respondeu-me:
É uma janela!
A resposta que ele me deu deixou-me perplexo, tão perplexo que me levou a escrever um poema, o original em alemão, aprendi a língua alemã desde tenra idade, logo traduzido por mim mesmo para português e que, salvo erro, já não sei se no meu blogue ou se no facebook, julgo que neste último, em tempos, o publiquei:

Die Sonne scheint
so wie ein Fenster
zwischen mir
und der ganzen Welt

O Sol brilha
como uma janela
entre mim
e o mundo inteiro

Uma janela cumpre uma dupla função:
Ilumina e deixa ver o que para lá dela se abarca ou dizendo de outra maneira, ilumina para cá e para lá dela.
Se para lá da janela, no entanto, houvesse escuridão mas se, nós mesmos, situados para cá dela tivéssemos luz própria, veríamos e seriamos atraídos pelo reflexo organizado, pela simetria que de nós mesmos a janela projetaria.
Tal como não menos rigoroso é dizer-se que se estivéssemos fechados num quarto sem janelas e sem luz própria, logo por imperar a escuridão absoluta, atropelar-nos-íamos, chocaríamos, desintegrar-nos-íamos, quiçá, uns aos outros.
Em suma, num quarto escuro e mesmo que tendo uma janela que não projetasse luz e sem que, nós mesmos, tivéssemos luz própria, dificilmente sobreviveríamos.

Mas a janela desse meu aluno martelava-me o espírito nesse outro sentido do que está para lá dela e esse já me era familiar, daí a perplexidade da resposta que cumplicemente partilhei, surpreendido e sorridente, com esse meu aluno.
Que uma janela, em princípio, ilumina, ilumina, esse é um dado que temos por adquirido, tão adquirido como o ar que respiramos mas essa outra função que a janela desempenha e que consiste em dar a ver o que para lá dela se avista é sempre um dado inesperado e, por isso mesmo, aliciante, atrativo e tanto mais quanto para uma criança tal como esse meu aluno era.
Por ser autista e pese embora a pronta e inesperada espontaneidade da sua resposta, esse meu aluno não se alongou, porém, para lá dela, da janela com que ao sol o comparou e que, por momentos, pelo menos a meus olhos, a ele próprio o iluminou com particular intensidade.
E o que é que se vê para lá dessa janela, o sol, e talvez fosse essa, quem sabe, a chamada que o meu aluno, por momentos presente e mais interativo, me fazia?

Convém, aqui, fazer este alerta que nunca é demais repeti-lo:
Olhar diretamente e sem filtro para o sol envolve não poucos riscos.
Pode-se fazê-lo e fi-lo muitas vezes ao longo da vida mas com todos os cuidados e de viés, sobretudo pela alvorada ou ao pôr-do-sol, sem que tal me tivesse afetado significativamente a visão e o que é facto é que, ainda hoje, só uso óculos de fracas lentes e para ver ao perto e apenas para ler e para escrever.

Olhar-se diretamente e sem filtro para o sol é qualquer coisa de tão estonteante quanto ver-se um corredor de luz tão incandescente quanto difícil de focalizar ou, se quiser, de imobilizar, um pouco ao encontro do olhar de um autista que tem grande dificuldade em à sua vista, aparentemente, a fixar e qualquer filtro que se interponha entre nós e o sol amortece, desvanece, deturpa essa deslumbrante mas de difícil acesso porque ofuscante paisagem.
Um corredor de luz, rasgão de passagem no firmamento, incandescente e, por isso mesmo, dançarino é o que se vê através de e para lá do sol.
Escusa de me vir parodiar com Fátima e o seu sol dançarino, sei bem do seu sempre ácido e empedernido humor, pois tento, nesta minha descrição, ser tão objetivo e parcimonioso quanto o possa ser possível.
Com o sol passa-se exatamente o inverso do buraco ou da estrela negra, janela, ainda janela mas densa de escuridão que apenas projeta escondendo-se e escondido, o irresistível reflexo do que se passa no seu interior ou uma vez ultrapassada a meta da sua travessia e que atrai tudo aquilo que, ao seu alcance, qual compartimento suga sem estragos imediatos de maior graças à tensão que, em equilíbrio, a umas e a outras forças gravitacionais de sinal contrário as contrabalança sem as colapsar ou destruir e desde que neste, no compartimento, haja mais luz do que no seu interior, isto é, para lá dessa mesma janela ou portal escuro de acesso.

Entendamos, pois, a luz ou a sua ausência como metáforas gravitacionais de sinal contrário por cuja interação não deixaríamos de ser afetados.
Que aconteceria se uma nave espacial que aguentasse as tremendas temperaturas solares, se dirigisse em direção ao sol atingindo a velocidade da luz, porque era disso, literalmente, que atingindo em pleno e no auge a luz à nave, pela luz, a transportaria para onde?
Onde iria ela parar no espaço/tempo?
Do mesmo modo, que aconteceria se fôssemos apanhados por uma janela escura mas, no entanto, janela, ainda corredor arrefecido de luz, sombra e antes de se transformar em intransponível parede, qual estrela moribunda e colossal, projetando qual seja a simetria de nós mesmos desde que ainda banhados ou organizados em sistemas de complexas forças gravitacionais, equilibrados pela luz do sol ou de quantos sóis que por ela fossem sugados como, por definição, o reflexo espelhado simétrico o é ou meta suscetível de num espelho vivo e comunicante como um Buraco Negro, vir a ser alcançada?
Será que não nos poderíamos tornar nele mesmo?
Nesse reflexo de um colossal espelho vivo e irresistível?
Será que não seriamos capazes de, com sucesso, atravessar para o outro lado do espelho a que ela, essa janela e ainda corredor de passagem, portal nos daria acesso?
A prazo e se assim tivesse acontecido sem disso termos consciência, desarmados de todas as defesas que nos permitissem dar conta das subtis alterações em nós desencadeadas pela interação gravítica, portanto, o que poderia vir a ser de nós próprios?
Mas se, pelo contrário, a essa consciência a estruturássemos como pela minha parte e na linguagem que domino não me canso de o fazer, aí sim, será que não poderíamos vir a alcançar toda a diferença!?

Já agora, deixe-me ainda acrescentar-Lhe:
Na linha destas e acrescentando-lhes muitas outras reflexões que já há muitos anos, sistematicamente, por mim foram feitas, então ainda e apenas em suporte papel, encontram-se hoje depositadas no arquivo da Biblioteca do Centro Nacional de Cultura conforme, em ofício, me foi, de há muito, comunicado afiançando-me o seu Presidente estarem na melhor das companhias, isto é, naquela dos mais conceituados e prestigiados autores.

Uma vez mais reconhecido e desculpe-me a insistência, com um grande Abraço


no que aqui conto devem ser salvaguardadas todas as distâncias que uma abordagem em linguagem comum como esta, consigo, sempre acarreta e em memória de luminosas narrativas como as de Carl Sagan



Jaime Latino Ferreira
Estoril, 24 de Abril de 2013



terça-feira, 16 de abril de 2013

VARIAZIONE


 
Justus Sustermans, Portrait of Galileo-Galilei, 1636





eppur l'abbiamo attraversato

( contudo atravessámo-lo )



eppur si muove, contudo move-se, afirmação atribuída a Galileu a partir da qual foi feita a minha variação




Jaime Latino Ferreira
Estoril, 16 de Abril de 2013



domingo, 14 de abril de 2013

DA ADESÃO E DA FALTA DELA


água mole em pedra dura tanto bate até que fura


Cada vez mais as soluções políticas, económico-financeiras e sociais, de tão movediça que se vai tornando, revelam crescente falta de adesão à realidade.
Como vertigem a realidade, crescentemente, a todas as supera.
No exato momento em que a um problema desse fórum se diagnostica logo esta, ao diagnóstico, o vem desmentir como se a este lhe faltasse a âncora em que se pudesse fundear.
É claro que tanto a política como a economia e as finanças ou a sociologia não são ciências exatas tanto quanto estas o conseguem ser mas a sua inexatidão, contudo e com o tempo, parece cavar-se num abismo sem fim.
Falta de adesão à realidade.

As ciências sociais estão para o indivíduo concreto tal como as ciências exatas estão para a experimentação mas ambas, quando não enquadradas pela hipótese, aquela pergunta que o observador, o cientista individualmente considerado coloca perante os dados recolhidos da experimentação ou da observação do real, desenvolvem-se às cegas, sem rumo e sem método.
Aleatoriamente.
Se a pergunta não for suscitada e ela é-o pelo ângulo particular, circunstancial e contextual do observador, a experiência, apenas casuisticamente poderá levar a bom porto e o dispêndio de energias nela aplicado dispersar-se-á, quando não, tornar-se-á completamente inglório.
Que perca escusada de energias que a experimentação, com a introdução da hipótese, veio poupar tornando-a mais efetiva!
É na hipótese que assenta a experimentação científica e, sem ela, sem essa visão singular de quem à experiência ou à realidade a observa, cai-se no infrutífero e dispendioso experimentalismo.

Sem espírito crítico que conduz à interrogação sistemática e esta como aquele dependem do observador, de quem analisa os dados da experiência ou a realidade o que remete, tanto nas ciências exatas como nas sociais, sendo que nestas últimas e diretamente, o observador confunde-se com o objeto último da experiência, não há investigação científica.
E as ciências sociais perdem-se no macro, na estatística, nos grandes números ou nas teorias gerais esquecendo-se que não há regra sem exceção e que a exceção confirma, isto é, pode criar, ela mesma, a regra.
E se a pergunta não for feita, se o espírito crítico estiver ausente reincidiremos, permanentemente, no erro, quer dizer, na falta de adesão à realidade.
Quer isto dizer que há uma verdade única e inquestionável?
Não, não há mas se a pergunta não for feita, constituindo-se um feixe de hipóteses que se possa trabalhar nele fazendo convergir, se necessário, todas as partes, nestas incluídas as ciências sociais e as exatas na confirmação científica dos dados da experiência com os da realidade social, poderemos estar sistematicamente a cavar o fosso que nos afasta cada vez mais do real criando entre ele e nós próprios um abismo que nos poderá vir a ser fatal.
E a pergunta, aqui e apenas indiretamente demonstrável tal como se observado à distância, no Universo, é:
E se, na sua aceção astrofísica e não encarada como simples alegoria ou metáfora, tivéssemos atravessado um Buraco Negro?

endereços recomendados com esta página relacionados:



no distanciado silêncio que me anima



Jaime Latino Ferreira
Estoril, 14 de Abril de 2013



sexta-feira, 12 de abril de 2013

ESQUERDA E DIREITA





Aponta o dedo à esquerda
que tens obstáculo à direita
corre por essa vereda
que te tornarás numa seita

Aponta o dedo à direita
esquecendo que à tua esquerda
o que lá está desta feita
te justifica e alerta

Em pantomima se aperta
jogada de sombras coberta
de desânimo que deserta

Mas se à tua esquerda e direita
mais visses que rua estreita
galvanizado serias para curar a maleita


sem anular identidades, na fraternidade, irmãos por cá e por lá e onde quer que seja



Jaime Latino Ferreira
Estoril, 12 de Abril de 2013



domingo, 7 de abril de 2013

DO CLASSISMO E DO QUE NÃO ME PRONUNCIO


Pax




Dizer-se que existe uma visão ou perspetiva de classe eis uma tentação em que não caio.
Dizer-se tal coisa seria o mesmo que admitir não existir margem para a autodeterminação singular ou para o livre arbítrio.
Como se poderá, de um qualquer grupo profissional ou outro, afirmar que aqueles que o compõem partilham de uma visão comum que o mesmo é dizer que pensariam todos enformados no mesmo molde?
Ou que, maniqueísticamente, seriam movidos por estas ou por aquelas intenções?
Como?
Como e com que autoridade?
Tal só se pode afirmar, não com autoridade mas partilhando de uma visão ainda que mitigada mas autoritária das coisas.
Em tese, posso ser um patrão, um empresário e não partilhar de uma visão que a este grupo lhe seria imputada como comum.
Em tese também, posso ser um operário, um trabalhador e, de igual modo, não partilhar de uma visão que lhe seria imputada como comum.
E tanto num como no outro caso sem que lhes seja, a um como a outro, porque esse é o outro lado do autoritarismo, imputada a excecionalidade ou qualquer atributo discriminatório que a ambos os apontasse a dedo ou excluísse do grupo profissional ou outro a que pertencessem exercendo, por essa via e sobre eles, qualquer forma de pressão coerciva.
Independentemente do grupo profissional e, já agora, não profissional a que se pertença, invoco, por exemplo, um desempregado, a qualquer deles não se pode caracterizar imputando-lhes uma tipologia ou visão genérica, macroeconómica que individualmente em nenhum deles se encaixa.
A não ser assim, imperaria uma visão totalitária que a uma mundividência, a todos, indiscriminadamente, se aplicaria sendo que a realidade é muito mais complexa do que qualquer visão simplista que assim, aos vários grupos sociais ou outros os pretendesse caracterizar.
Afirmar-se que existe uma visão de classe, consiste, por isso, num enorme disparate.

A não ser excecionalmente, não me pronuncio sobre a situação política concreta de um determinado país por saber ou melhor, por ter dela a aguda consciência, não depender apenas de si próprio, desse país, mas antes e tanto mais quanto a crescente e acelerada globalização, do seu entrosamento numa complexidade mais vasta e cada vez mais interdependente.
É claro que o que se passa num determinado país obedece tanto a causas exógenas como endógenas.
Mas cada país é, ele também, um país diferente de todos os outros ou não teriam sido formados e para o que nele se passa, de bom como de mau e maniqueísmos à parte, não se podem aplicar receitas feitas a régua e esquadro que a todos, por igual, se pudessem aplicar.
Eis outra forma de tentação totalitária!
E quanto mais antigo, quanto mais enraizadas as suas idiossincrasias, maior a complexidade que o caracteriza e que soberanamente o justifica.
É claro que os países tendem, não apenas pela crescente e acelerada globalização mas, também, por imperativos ecológicos e que com esta, numa feliz coincidência convergem, a integrarem-se em grandes espaços que os transcendem e seria trágico se deste caminhar histórico se arrepiasse caminho.
Tanto mais trágico quanto ameaçada estaria a Paz globalmente considerada como, aliás, os tambores de guerra não param de fazer ecoar.
Mas para cada qual, para cada país, não há receitas padrão.
A havê-las, tal corresponderia a encarar-se cada indivíduo singular como padronizado num molde único que em todos e em cada qual se encaixasse sem mais pondo em causa a Democracia que a todo o indivíduo singular, a minoria das minorias, país soberano de si mesmo, o deveria e tanto mais quanto por provas dadas, consagrar.



do que não me pronunciando, na minha singularidade que não imponho senão a mim próprio repudiando linguagens sectárias e belicistas, assim me pronuncio




Jaime Latino Ferreira
Estoril, 7 de Abril de 2013



quarta-feira, 3 de abril de 2013

PARA UM DESTINATÁRIO LONGÍNQUO MAS CADA VEZ MAIS PRÓXIMO


Templo do Céu, Beijing


AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA



Excelência, Camarada Xi Jinping,

Embora tardiamente, mais vale tarde do que nunca costumamos nós dizer e aproveitando o ensejo para felicitá-Lo pela recente nomeação como Presidente da República Popular da China desejando-Lhe todas as felicidades, queria, nesta oportunidade, refletir Consigo a partir das linhas de força que, aqui, nesta minha reflexão que desejaria partilhada, Lhe sugiro.

As ideologias que não professam Deus, ao não professa-Lo, logo, Nele não acreditando assentes em mundividências integristas, isto é, apegadas exacerbadamente a princípios e dogmas, não deixam de ser confissões.
Aquelas que Nele não acreditando se revelam, portanto, confissões que professam acreditarem em Nele não acreditar.
Constituindo-se em poder não salvaguardando os seus limites, imiscuindo-se, portanto, na esfera confessional ou naquela do poder intemporal ou com ele confundindo-se tornam-se, assim e ainda que simetricamente, em estados confessionais.
Há-os desta natureza, confessionais ateus, mais ou menos mitigados.
Nuns casos, idolatrando de tal forma os seus líderes que equivalem a monarquias mais do que absolutas e teocráticas.
Noutros casos, mais mitigados, interferindo diretamente na escolha dos representantes religiosos de que religiões o forem e mantendo-as sob sua estreita alçada.
Em todos eles, seguramente, revelando uma insegurança, receios mais ou menos extremados do vírus de Deus ou do, assim chamado e ainda que apenas ideologicamente latente, ópio do povo.
Tanta insegurança quanto o receio dos estados confessionais religiosos, propriamente ditos, pelo contágio do ateísmo ou da suposta dissolução dos costumes que, abrindo mão dessa sua prerrogativa confessional, desencadeariam.
Em ambos os casos, repito e pela insegurança que revelam, descrendo, afinal e por isso mesmo, na força das mundividências que professam.

Eu acredito em Deus.
Tal facto, porém, em nada me leva a recear daqueles que Nele não acreditam.
Mais, acho que têm pleno direito a Nele não acreditarem sem que os meus fundamentos sejam, por isso, abalados.
Eu próprio que já professei o ateísmo, nele incluído o comunismo e como me lembro da fé inabalável que por ele me fazia mover reconheço que, muitas vezes, estes, os comunistas, acreditam e fazem mais por um futuro melhor do que muitos crentes resignados, não conformados mas antes resignados, que nada fazem pela prosperidade futura.
Eu acredito, Tu não e depois?
O que nos impede de conjugarmos esforços por um futuro de paz mais sorridente para todos?
As nossas convicções mais íntimas?
Mais íntimas, ora aí está, que direito me assiste a mim ou a Ti de as impormos, condicionarmos ou interditarmos a terceiros?
Tal revelar-se-ia, aliás e julgo que o partilhará comigo, uma impraticável possibilidade.

Que problema existe na laicização do Estado?
Sim, porque a laicização do Estado implica que este também se despoje de roupagens ideológicas.
Que medo no reconhecimento da separação de poderes replicando, afinal, qual negativo fotográfico, receios antigos e tentações de que as religiões foram ou continuam a ser tomadas revelando, repito, uma profunda descrença nas suas próprias convicções?
Eu acredito em Deus e Tu no paraíso na terra e depois?
Prefiro valorizar o que nos une, a vontade comum de bem e melhor fazer.
Aquilo que não vale é Tu impores-me o que eu, a Ti, não te imponho e o Estado, esse, deveria estar acima dessas nossas idiossincrasias sob pena de vir a transformar a Terra não num paraíso mas num autêntico inferno inquisitorial para todos como, aliás, a experiência histórica nos ensina.
Nada como a liberdade confessional da crença nela incluída a crença de a não ter!

Um país, dois sistemas.
Como, hoje, ainda me ressoa a palavra de ordem lançada pelo Vosso predecessor Deng Xiaoping e que explica o boom que a China, de então para cá, tão prodigiosamente conheceu!
Um país, dois sistemas ou, numa linguagem que a nós nos é mais familiar, um país e dois setores, o público e o privado.
O público ou aquele que o Partido Comunista da China ocupa, o privado ou o da economia de mercado e da propriedade privada.
Que monumental salto em frente!
Como gostaria de revisitar uma China que já não é senão a sombra, luz daquilo que era.
E como desse salto em frente, ao contrário de outros que ficaram amarrados a dogmas e clichés, um pequeno passo apenas falta, o da esfera íntima ou singular que a propriedade privada faz desabrochar, para desatar nós e desimpedir constrangimentos que bloqueiam a sociedade que, tal como a nossa mas pela inversa ameaçam as perspetivas de desenvolvimento futuro.
As perspetivas de desenvolvimento entendendo-se este como pacífico e cada vez mais exponencial sob pena de estarmos na iminência de uma monumental rutura de dimensões catastróficas para não dizer apocalípticas.
Um país, dois sistemas!
Como cheguei a sonhar aprender a jogar bridge, imagine, com Deng Xiaoping.
Como Vos admiro nos passos que destes.
Tal como escrevi ao Papa Francisco, falta o quase para a coragem que falta!

Se o meu Amigo tiver disponibilidade e a esta minha carta lhe juntar a leitura dos três textos que neste meu blogue a esta a precedem, Ao Papa E Em Nome Próprio, Ponto De Equilíbrio e Fundamentação, aliás, em linha com esta carta que a Si Lhe escrevo, ficar-lhe-ia muito grato.
Não sou de ter duas caras, a realidade é que é, tanto numa como noutra perspetiva, bem mais complexa do que, à primeira vista, a preto e branco, quantas vezes, a mim me incluindo, eventualmente, na tentação de assim a ver, nos poderá parecer.

Com as minhas mais cordiais saudações, felicitando-O uma vez mais, Vosso e com toda a estima


se o comunismo, saltando escusadas etapas, aprendesse com o cristianismo que, afinal, também o enforma, todos teríamos a beneficiar muito com isso



Jaime Latino Ferreira
Estoril, 3 de Abril de 2013
interior do Templo do Céu, Beijing