quinta-feira, 8 de agosto de 2013

3 + 1

três, padrão de fundo




I

 TANGO  MAR

Replico-me a mim mesmo
povoando lugares ermos
viajo e vou-vos mostrando
o que me traz navegando

Minhas réplicas trauteando
enxaguam mar de tango
dança em que descrevo
o ondular do que escrevo

Réplicas a que me atrevo
intrépida rota relevo
ao destino o mapeando

Fio condutor minha âncora
que de enseadas zarpando
não se aquieta nos seus termos


Van Gogh, autorretrato

II

ENTRE  TUDO  E  NADA

Entre tudo e nada não se conhece meio-termo.
Ou bem que se tem uma duvidosa vocação messiânica ou bem que de nada serve o que se faça ou diga ou escreva que o mesmo é dizer fazer.
Ou bem que as audiências aferem do que façamos ou bem que, na sua ausência, o que façamos de nada serve.
Entre um extremo e o outro não prevalece o bom senso, ponta de razoabilidade.

Como critério aferidor do que escrevo, isto é, do que faço, não são nem as audiências nem a sua ausência que me balizam.
Não.
Tenho para mim que é na razão, ponderando os ângulos da questão abordada, daí o meu permanente auto-replicar, que reside o bom senso que me leva a emitir opinião.
Se me contraditam, ajudam-me nessa ponderação.
Se não me contraditam, o que quase sempre acontece, eu próprio faço por me contraditar limando as arestas ou unindo as pontas soltas que ao meu raciocínio ajudem a fundamentar tornando-o tão abrangente quanto possível o for.
E nesta demanda prossigo sem vacilar ou vacilando, desentorpeço a inércia que eventualmente se instale.
Há muitos anos que assim procedo quase sempre fazendo de mim mesmo contraponto ou advogado do diabo que ao que escrevo dê continuidade ou que à inércia, em mim mesmo, a desemborre.
Sou mais ou menos nada do que os outros?
Sou diferente, assumo e integro essa minha diferença.

Em democracia vale a maioria mas vale, também ou por isso mesmo, esse lado sempre escamoteado ou a diferença minoritária que a não ponha em cheque.
Ter esqueletos no armário, que admirável condição para atingir a fama e a glória!
Exaltam-se as audiências como se um disparate audível que se diga valesse por isso mesmo, por se tornar audível e remete-se para um limbo próximo do esquecimento a razoabilidade que prescindindo de soundbites ou de bitates não disparate a eito.
Vale, por isso, menos essa razoabilidade ou a ambição de a ter?
Ambição.
Por dá cá aquela palha citam-se os grandes autores que antes de o serem não o eram, outro pormenor que por sistema se esquece a propósito da ambição que acalentavam na perseverança que os caracterizava e depois, na prática, faz-se tábua rasa desses seus pensamentos que se citam.
Será legítima a minha ambição?
À democracia falta-lhe, quantas vezes, ser adulta ou, se quisermos, o reconhecimento daqueles que, minoritários, a contracorrente mas legitimamente remam sem esmorecer.
Ponho em causa as maiorias?
Não, alerto para as insufragáveis minorias nas quais eu me incluo e sem as quais as maiorias não fazem qualquer sentido.

Entre tudo e nada há sempre uma legítima e fundada, repito, fundada ambição que tem de prevalecer sob pena das maiorias se tornarem em intoleráveis e insanas, execráveis ditaduras.


retrato de Mozart

III

P  VERSUS  p

Vincent antes de ser Van Gogh, sendo-o não o era.
Wolfgang antes de ser Mozart, sendo-o não o era.
Fernando antes de ser Pessoa, sendo-o não o era.
Antes de os virem a ser, valiam, eles mesmos, menos por isso?
E ao que faziam, que valor lhes era atribuído?
Ou, dito de outra maneira, quem estaria em condições de aferir do valor do que faziam?

Retirados dos baús do esquecimento, todos os três, só muito tardiamente se transfiguraram de anónimos mortais em figuras imortais.
Com que obstáculos, todos eles, não se terão confrontado em vida a começar por todas aquelas variáveis que movidas pelos seus pares por inveja, por despeito ou por sentirem, pura e simplesmente, as suas autoridadezinhas ameaçadas, os mantiveram, quiçá tão longa e penosamente, na penumbra?
Ao tempo, quem diria que Vincent, Wolfgang e Fernando, alguma vez se viriam a transformar em Van Gogh, Mozart e Pessoa?

As pessoas têm sempre consigo um P maiúsculo que um p minúsculo delas próprias ou de terceiras partes, intencional e deliberadamente ou não, as faz por votar ao esquecimento embora, em simultâneo, as desafie a sublimarem-se.
E quantos Pês de tão maiusculíssimas pessoas não foram, ao longo da História e para sempre, obliterados?
Quando, em tempo útil, os melhores não são reconhecidos o que prevalece é a mediocridade que, já agora, em muito ajuda a explicar o ponto a que chegámos.
Esta história é tão velha como a História.


Alberto Caeiro / Fernando Pessoa

+ 1

há quem obtenha sucesso instantâneo mas a pressão deste é tão ou mais difícil de gerir do que a pressão do esquecimento e esta última, assim em tempo de vida útil uma na outra se consubstanciem, apetrecha-nos dos anticorpos da primeira




com exceção de + 1, os três primeiros textos foram publicados separados e em primeira mão no mural do meu facebook

continuação de boas férias





Jaime Latino Ferreira
Estoril, 8 de Agosto de 2013
António Correia, retrato de Jaime Latino Ferreira