quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

COMUNISMO E CAPITALISMO








Houve um tempo em que por título deste meu texto se justificaria escrever comunismo versus capitalismo.
No entanto, esses tempos passaram à História sendo que, mais apropriadamente, hoje e por paroxismo, se justificará antes discorrer, tal como a este texto, por título, o encima, sobre comunismo e capitalismo já que ambos, como sistema de vasos comunicantes, entre si e ao contrário do que se pense, se conjugam.
Passo, política e excentricamente, reconheço-o a desenvolver.

No momento em que o Papa Francisco publica a sua Primeira Exortação Apostólica, Evangelii Gaudium, interpelando as consciências e na qual duramente escreve sobre o descarte a que é votada a pessoa humana num tempo de um capitalismo sem rosto e sem freio e sendo certo que a ele, ao papa, mais não compete do que essa mesma interpelação que já não é pouco , diga-se, sob pena de interferir na esfera do poder temporal rompendo equilíbrios ao longo da História, tão penosamente, conquistados, aqueles, precisamente, da fronteira entre o poder temporal e intemporal, tempos estes onde impera, de facto, a desregulação política que faz pender a favor do capital essa deriva sem baias e sem contraponto que aos assalariados os deixam mais e mais descartáveis às mãos do capital, cumpre-me a mim e com modéstia, laicamente, dissertar, senão por paradoxo, sobre o assunto.
Neste processo e embora em escalas diferentes a China tal como os países europeus sob resgate nos quais se inclui Portugal, mais interdependentes do que se pensa, são dessa deriva autênticos laboratórios em processo que desejaria de simétrica convergência.

Com a queda do Muro de Berlim, triunfalistas, ergueram-se precipitados os arautos do fim do comunismo, precisamente quando a China, ironia das coisas, país socialista sob a direção do Partido Comunista, no consulado de Deng Xiaoping e afastando-se, decididamente, da via seguida pelo seu vizinho, a Coreia do Norte, se abria ao mundo declarando-se como um país com dois sistemas, estratégia sintetizada nesta máxima que desencadeou um boom que em pouco mais de trinta anos a tornou irreconhecível assumindo-se como um ator político global incontornável.
Um país e dois sistemas ou um ator, quand même, socialista porque sob a direção do Partido, repito e em transição, como rezam as crónicas, para o comunismo:
O sistema socialista a confundir-se com o Partido e o Estado ou com um destruturado setor público, diríamos nós, e o sistema capitalista ou o desregulado setor privado de tal maneira out of control que o resto do mundo e a Europa em particular, anquilosada e incapaz de reagir senão tardiamente e por arrasto, diante do seu impetuoso boom, se desregularam também.
Em particular, nos países europeus sob resgate como é o caso de Portugal, essa desregulamentação não para de se acentuar.

Obrigado a uma longa travessia do deserto no imediatamente após a instauração da Democracia, entre nós, o Partido Comunista Português, todos os democratas dos mais variados quadrantes hoje o reconhecem, humanizando-se, tornou-se um partido institucional confiável e de referência.
Uma vez feito o luto dos anos da brasa, o PCP sabe hoje como poucos que perante uma deriva totalitária, o caldo está criado, é fundamental salvaguardarem-se as instituições democráticas e isto independentemente ou por maioria de razão, qual seja a correlação de forças que lhe seja como não favorável.

Neste resumido e intencionalmente simplificado quadro, a República Popular da China tal como a Europa encontram-se perante um dilema convergente, diria e de sinal simétrico:
A China perante aquele de saber que sem mais abertura, o que implica a criação de um sistema mais plural e que ao trabalho o proteja perante as investidas do capital, o seu boom dificilmente prosseguirá como até aqui;
A Europa perante aquele outro de saber que a desregulamentação terá de ter limites sob pena de se esboroarem aquelas que são características intrínsecas do Estado Social que soube erguer e que, aos poucos, vai sendo, paulatinamente, delapidado.
Isto sabendo ambas, a China como a Europa e já para não falar do mundo no seu conjunto, de quão interdependentes, entretanto, todos se tornaram.
Nos extremos do espectro político democrático global, as forças do trabalho, o comunismo, chamemos-lhe assim por conveniência de raciocínio e o capital têm, forçosamente, de chegar a um novo equilíbrio de forças perdido desde a queda do Muro de Berlim e que à desregulação a ajuda não apenas a entender como a resolver.

Num processo análogo e paralelo embora não tão distendido no tempo, a aceleração histórica justifica-o, o comunismo, essa igreja laica e tal como a Igreja, entre nós, fez a sua travessia do deserto.
Ao capitalismo, por seu turno, faltar-lhe-á, quiçá, sentir com outra veemência a força do trabalho ou do povo, como queiram e fazer o seu luto sem o qual, ele também, dificilmente se autorregulamentará, utopia do capital, humanizando-se por seu turno.
O comunismo que entronca com um certo cristianismo primitivo ou uma ideia utópica tão antiga, anseio de igualdade e de não exclusão, nunca até aqui, convenhamos, concretizado.
O capitalismo, a economia de mercado ou a livre iniciativa, de cujo recíproco contraponto com o comunismo se explica também a génese das democracias modernas formatadas no contra balanceamento resultante da tensão criada no pós-guerra e entretanto decapitada de um dos seus polos hoje reassumido pela China mas que se encontra em crescente desequilíbrio porque ambos, comunismo e capital, ainda descentrados da pessoa humana concreta e singular à qual, paroxisticamente, se destinam e deveriam, acima de tudo e em Democracia, servir.

Comunismo e capitalismo, desejavelmente, num processo ou movimento pendular convergente, não de muros erguidos mas num movimento recíproco onde se instale a confiança, com avanços e recuos mas ao encontro da Democracia, do Estado de Direito e do Estado Social.
Oxalá ambos, comunismo e capitalismo tenham aprendido com a História.





saber ler para lá de gírias de guerra ou de campanha








Jaime Latino Ferreira

Estoril, 4 de Dezembro de 2013



2 comentários:

Kika disse...

Kriu?

Tenho o rosto de uma comunista, e o corpo da cor da esperança que deposito sempre naqueles que lutam por aqueles que lutam e que fazem avançar o mundo...

Kriu!

Anónimo disse...

Tens sempre o maior jeito para encontrares fotografias à altura dos teus textos...

Diria que és de Olhão e tu dizes então que és meu vizinho...