terça-feira, 1 de abril de 2014

CARTA EM DEFESA DO AUTOR


o Autor, fotografia de MB



( quebro, excecionalmente, o meu blackout em defesa do Autor, não do autor com minúscula mas em particular daquele com maiúscula, isto é, do artista fluente na arte de organizar as palavras, é desse que aqui escrevo, manifestando a minha indignação pela praxis comercial corrente das editoras, salvaguardando aquelas outras, Editoras também mas com maiúscula e que não vivem obcecadas por cifrões sem que corram quaisquer riscos, na esperança de que as haja mesmo )



Meu Caro Autor,

Já ouviste falar na democratização da edição do livro?
Tenhas ou não ouvido falar, acautela-te porque ainda te arriscas a, sem o querer, ficares enredado qual funcionário dependente só que sem ordenado fixo nem outro, do que essas editoras com minúscula te possam impingir sendo que e não sei mesmo se pior ainda, se não tiveres verba disponível, estás feito!
Grande democratização a do dito!
Quando uma qualquer editora vier com falinhas mansas impingir-te o que seja em relação ao que tenhas em carteira, resguarda-te ainda mais!
Deixa-me ser mais preciso:
Falo contigo como Autor com maiúscula que serás mas sem obras dadas à estampa, nem de outro modo investiria o meu tempo em ti, um não consagrado, portanto e independentemente dos motivos porque o possas ser ainda e quantas vezes assim tal acontece por razões exógenas ao valor intrínseco daquilo que escreves.
Sim, porque para se ser consagrado há inúmeras variáveis que interferem e nem todas, convenhamos, relacionadas com a qualidade da escrita do que ele, o consagrado ou aquele que tem a venda da edição garantida, possa criar.
Mais a mais, alerto-te ainda, o espaço disponível para consagrados é diminuto, um paraíso restrito de uns quantos que como poderás constatar deles vive saturado e que são sempre os mesmos.
Posto isto, voltemos ao tema.
Acautela-te mesmo porque te espera uma longa e penosa praxe!
Praxe, bullying, é tudo a mesma coisa, mas lá que os é, é!
Se te vierem propor a edição, pois claro, a troco de teres de vender x ou y exemplares, faz as contas porque mesmo que a edição seja vendida por inteiro, coisa que nunca ou raramente acontece já que quem tem de vender e promover a obra és tu próprio uma vez que a editora não corre quaisquer riscos e esse número de exemplares que ficam a teu cargo e que à editora tens de pagar dão logo para que ela lucre sendo que tu, a ela ficas amarrado e ainda que descontados os direitos de autor, já para não falar nas condições contratuais leoninas que te impõem, pelo que só na remota hipótese de uma futura segunda edição, do encargo te livrarás, pelo que desconfia e recusa porque esse não é tratamento digno que esteja à tua altura.
Se fores Autor com maiúscula, claro!
Se não quiseres ter um livro para ornamentar as tuas ou as prateleiras das livrarias ou para que conste do teu currículo!
Se não viveres deslumbrado pela edição!
Se fores mais, muito mais do que isso tudo e tanto mais assim o é quando, paradoxalmente, num tempo em que a editora, como intermediária entre ti e o teu público é cada vez mais dispensável!
É certo que o Autor dá tudo pela sua obra, mas é pela sua obra e não pela sua edição, skills que assistem e por inteiro, assim o deveria ser mas está tudo invertido, à editora.
Perdão, a havê-las, à Editora!
A ti, Autor, compete-te o esforço de criar, sabem lá elas, as editoras com minúscula, o que isso é, não o de te teres de impingir, promover, vender, aviltar!
Em suma, a práxis vai como se segue:
Tu terás de correr todos os riscos e as editoras mexerucas, nenhum!
Imagina que até desconfio que elas e no seu staff não têm quem saiba ler e quanto mais escrever, basta que saibam fazer rolar a máquina.
É no que estamos, toda a gente fala disto à boca pequena ou pela calada mas ninguém se atreve a denunciá-lo.
Pois, sabendo do que falo, aqui estou eu para dar a cara!

Meu Caro Autor,

Sabes qual é o problema?
É que o mercado vive por demais viciado, entupido, distorcido, saturado, em suma e nem sabem elas, as editoras, quanto este é o risco maior que correm, por todos aqueles que não passando de autores com minúsculas, entenda-se, desde que editem e podendo custeá-lo abrem as pernas a tudo o que lhes impingem.
Desculpa-me a linguagem utilizada …
E depois, vê lá, queixam-se!
Mas e por fim, reconforto-te:
Tenho para mim que se uma obra é boa, mais tarde ou mais cedo ela se imporá e para isso basta que tu te continues a comportar firme e de cabeça erguida salvaguardando a tua Liberdade que o mesmo quer dizer a tua margem criativa, comportando-te não como autor mas Autor e por muito que tal te venha a sair do pelo que sempre sai e saiu.
É dos livros!
Já agora:
In the meantime, take it easy, keep cool and return to your blackout!

Saudações cordiais, Teu que em ti sou eu



da obscenidade aviltante crescente a que o Autor é sujeito






Jaime Latino Ferreira
Estoril, 1 de Abril de 2014


o Autor há um punhado de anos atrás, quadro de António Correia