quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

O MEU JARDIM




1





Jardim 
de minhas deixas
murmúrios
e queixas
alvoraçadas
roseiras relhas
que são iscos
de apanhadas
buganvílias daninhas
alinhadas
em coboiadas
de surpresas escondidas
nas frésias
queridas
sempre e sempre renovadas

2


Jardim
deste confim
mundo a que vim
plantada nele a casa
e a araucária gigante
sem mais ter fim
altaneira
bandeira
deste festim

3


Jardim
que é meu refúgio
antúrio
amado
no lugar
perdido em si
que conta
quanto ele
fala por mim
num castanheiro repleto
que à magnólia
lhe diz sim

4


Jardim
o lugar certo
que está por perto
que de minha janela
vejo sempre em aberto
mesmo se em desmazelo
e de meu teto
o olho
numa carícia
com que lhe acerto

5


Jardim
de folhas velhas
minhas pérolas
de um ano findo
que a um novo
o faz bem-vindo

6


Jardim
de laranjeiras e limoeiros
ameixoeiras
dos frutos
que em mim nascem prazenteiros
ninho agridoce
em que desperto

7











Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Dezembro de 2015




quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

QUAL O GÉNERO QUE TEM DEUS




Menino Jesus Salvador do Mundo, Igreja Matriz de Cascais, 1673







Qual o género que tem Deus
pois se a todos os contém
se o tivesse quais pigmeus
seus crentes seriam ninguém

O deus e a deusa convergem
em politeístas troféus
que figurados a alguém
são proselitismos plebeus

Assim se fariam réus
os outros géneros dos seus
eleitos à margem dos céus

Mas sem género a todos tem
por igual e sem desdém
aquém e para lá do além





por insondável nos seus desígnios, Deus não se define
pelos nossos estritos, preconceituosos ou exclusivos parâmetros










Jaime Latino Ferreira
Estoril, 24 de Dezembro de 2015



quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

PERGUNTA E RESPOSTA NUCLEARES




Egon Schiele, The Holy Family, 1913






a maior das debilidades é a que pela força física se manifesta


Na sequência da última página do meu blogue, Da Triangulação Nuclear e em seu complemento, deixo-Vos com uma pergunta e uma resposta, elas também, nucleares:

Por que razão as narrativas sagradas que bem se espelham na simbiose simbólica do Sinal da Cruz, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo que em si mesmo contém, ele também, uma narrativa são feitas, grosso modo, no masculino?

Por duas razões que diria fundamentais:
A primeira porque, historicamente, o elo menos confiável da cadeia genealógica sempre foi, pela impossibilidade senão recente de o demonstrar, o elo masculino pois que se sabia quem era a mãe ou o elo feminino e a/o filha/o ou o elo neutro, em alemão, por exemplo e só para citar esta língua, existe o género neutro ao qual a criança, gramaticalmente, pertence mas quanto ao primeiro não havia senão como pela palavra, quando não e quantas vezes pela força, o estabelecer;
A segunda porque uma vez firmado o elo masculino já que hoje suscetível de ser demonstrado cientificamente e acresce, com o avanço da ciência e a emancipação feminina, ambos histórica e paradoxalmente coincidentes com a proliferação dos santuários marianos, daí, quiçá e também, a atratividade destes últimos num deus ainda que subliminarmente feito mulher, tornam-no, ao masculino, um elo ainda mais débil dessa mesma cadeia na presunção da sua própria subalternidade quási descartável.
Estes factos conferem outra luz ao Sinal da Cruz como poderoso fator de coesão social a corroborar a sua intemporalidade imorredoira, todos somos, simultaneamente, pais e/ou mães, logo, Pai ou parentes, Filho/s ou neutros enquanto crianças e Espírito/s Santo/s no que dele, do espírito e de inviolável, em nós mesmos transportamos a denunciar à saciedade a reação reflexa bem tradicionalmente masculina, aliás, sinal de insegurança convertida em força física e/ou em estatuto, em si mesmos, afinal, demonstrações cabais da mais completa e flagrante das debilidades de que os fundamentalismos e o terror são, mais do que nunca, desesperadas e tardias, misóginas manifestações de quem dos seus derradeiros redutos se recusa a abrir mão e a partilhar.
Deus está na trilogia dos géneros que a uns não confere mais do que aos outros ou do que aos outros os iniba de ser uns, quer dizer, inteiras e trinitárias individualidades.



ao arrepio do medo, uma vez mais, Boas Festas










Jaime Latino Ferreira
Estoril, 10 de Dezembro de 2015





segunda-feira, 30 de novembro de 2015

DA TRIANGULAÇÃO NUCLEAR



Egon Schiele, The Holy Family, 1913







criança, mulher e homem merecem igual respeito e veneração porque todos os três em mim coabitam

simultaneamente neutro, feminino e masculino, eis o sacrossanto lugar, a gruta ou o Presépio, a triangulação nuclear em que cada qual, no integral respeito do e no Outro que na criança encontra as suas invioláveis balizas se constitui, conjuga, deve projetar e que até ao infinito se replica

tudo o mais que envolva o género resulta de minudências ou do risível de um olhar conspícuo ou seja, de uma perspetiva que toma o amor pelo preconceito, amor esse que sendo trinitário e indivisível, no mistério que encerra, nesse remanescente pelo género não se pauta nem se deixa condicionar


na certeza de que Deus é, antes de mais, criança, remetendo para a página anterior e para a minha última carta ao Papa, deixo-Vos com um profundo desejo de Paz




BOAS  FESTAS









Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Novembro de 2015



quarta-feira, 25 de novembro de 2015

DA MEDIANIA PREVALECENTE NAS RELIGIÕES




aus der Tiefen rufe ich, Herr, zu dir = das profundezas clamo por Vós, Senhor






um dos problemas que afeta todas as religiões consiste em que elas se constituem muito mais como guardiãs dos costumes, coisas da esfera temporal, do que em guardiãs do Santo ou dos Santos Nomes e, logo, da sacralidade, da inviolabilidade da pessoa humana o que não tem a ver, senão no seu cerne, no simbólico amiúde adulterado, com o consuetudinário

uma vez vencido este espartilho em que as religiões vivem enredadas, enredadas pelas conveniências temporais, pela gestão de sensibilidades ou pela mais pura e dura politiquice que outras e universais, abrangentes, poéticas leituras não se extrairiam e abririam, libertariam a partir de todos os textos sagrados por esse espartilho quartados da holística, da ética como da estética?

quem assim escreve é alguém profundamente religioso e inconformado com a captura das religiões por mais ou menos inconfessáveis propósitos que a estes lhes confere prova de vida que tantas vezes no mais elementar desrespeito pela vida humana se consubstancia



* contrariando choques de culturas, a xenofobia e, em suma, o medo, enquanto o que aqui escrevi não for encarado e de frente por todas as religiões, a luta contra o terror não passará de uma miragem e não será levada de vencida *











Jaime Latino Ferreira
Estoril, 25 de Novembro de 2015




domingo, 22 de novembro de 2015

ESGRIMA










Quando escrevo faço esgrima
luta com regras e enzima
que atinja o terror e o esprema
touche en garde tem por lema

Nesta batalha se encena
humanidade terrena
a vida que não se mina
a sabedoria que ensina

Que nos meios está a cena
o objetivo que inquina
a causa que se defenda

Que nos meios está a finta
da crença que se despenda
e do inominável a blinda




no dia de Stª Cecília, padroeira da música, essa poderosa arma contra o obscurantismo e não se me dando que me chamem quixote da palavra, muito antes pelo contrário, tomando-o como uma lisonja, na certeza de que é por ela, pela palavra e antes de mais que se encontra o antídoto para o fanatismo, em memória de todas as vítimas do terror








Jaime Latino Ferreira
Estoril, 22 de Novembro de 2015




quarta-feira, 18 de novembro de 2015

DA LUTA PELO REFORÇO E PELA HEGEMONIA DO CENTRO



Wassily Kandinsky, Composition 8, 1923







A realidade daquilo que se passa no microcosmos nacional, ele é disso uma amostragem, traduz, em última instância e pesem ou não todos os sinais contraditórios, a luta pelo reforço e pela hegemonia do centro político mais e mais abalado, interpelado tanto mais quanto pelos recentes acontecimentos em Paris, mas que importará não descurar.
Nessa luta, o que é que está em causa?
A nível geral, isto é, no quadro da União Europeia no seu conjunto, a possibilidade ou não de existir alternativa ou alternativas às políticas que nela têm vingado, alternativas essas que são, em si mesmas, condição democrática e, convenhamos, as posições têm-se extremado, a União Europeia mostra-o à saciedade em prejuízo do centro político que se tem rarefeito e isto já para não falar nas derivas centrífugas ou ao arrepio dos seus tratados constituintes e que em crescendo a assolam e paralisam.

Nos quadros específicos das realidades nacionais de que Portugal é um paradigmático exemplo e mais ainda quanto conserva um xadrez político a lembrar aquele ao tempo dos pais fundadores da Europa, o que é que está em jogo?
Durante muitos anos, dezenas, diria, um dos partidos do centro, o Partido Socialista viveu acantonado entre a sua esquerda e o centro-direita, comprometido com este último nos seus compromissos soberanos e acicatado à sua esquerda, incapaz de com esta se entender, espremido por uma tenaz que o constrangia e que o impedia de se expandir, muito antes pelo contrário, com um mínimo de sustentabilidade.
O centro-direita, liderado pelo Partido Social-Democrata, por seu turno e porque entre si e com o seu extremo se entendia, não raro conquistou maiorias absolutas.
No primeiro caso, o do PS estas foram a exceção e no segundo, o do PSD, quiçá, a regra que agora se vê, de súbito, posta em causa.

Os constrangimentos do resgate a que o país, entretanto, foi sujeito pelas condições por ele impostas, esses fizeram o centro-direita, entretanto e uma vez mais constituído em maioria absoluta, infletir à direita e cavaram uma fratura ao centro que, pelo menos a prazo, se antevê difícil de superar.
Assim e jogando com o fator surpresa, infletindo, por sua vez, à sua esquerda, o PS e quebrando um estigma cujas origens históricas se perdem no tempo o que, em si mesmo, constitui um facto histórico, entendeu-se, finalmente, à sua esquerda cooptando-a, propositivamente e em simultâneo, às responsabilidades ainda que indiretas da governação sem deixar de reafirmar os princípios que com o centro-direita, desta feita acantonado e refém da sua direita, repito, comunga e partilha.

Quem está, então e independentemente da resolução do impasse a que se assiste na constituição de um novo governo e que é, em si mesmo, fator de instabilidade, em condições de refazer o centro político?
Respondo como se segue:
Na certeza de que a crispação ou a vendetta desfavorecem aqueles que nelas persistam, independentemente dos atores políticos que a uns e a outros os liderem, quem esteja em condições de criar pontes para onde quer que se vire criando folga e, logo, margem para o crescimento.
Esse ou esses deixarão de ficar acantonados e criarão espaço para crescer ao centro porque é no centro e mesmo se, por ora, difusamente espartilhado que se continuam a ganhar eleições.
Esses, apenas esses pelo que, não me espantaria se a prazo, se o diálogo já se aprofundou em direção àqueles que pareciam estar, irremediavelmente, excluídos de mais e maiores responsabilidades, insuspeitadas pontes se poderão vir a criar entre aqueles outros que a aparente ausência de alternativa que propugnavam parecia ter definitivamente apartado.

Direita e esquerda, sei bem do reducionismo e da carga, num como noutro sentido, que ambos os conceitos transportam e sobre eles, porfiadamente, já me pronunciei mas certo é que são os conceitos que temos, não há como fugir a eles donde, por isso e para lá disso, assim remato esta minha reflexão:
Na convicção plena de que o aprofundamento da integração europeia só pode é estar associado ao aprofundamento da Democracia que deve, tem de ser um caminho sem retorno e, logo, do diálogo democrático sem barreiras nem tabus sim, há, só pode é haver alternativa e tanto mais quanto os recentes atentados o parecem, eles também, exigir.
O tempo se encarregará de o confirmar mas quanto à União Europeia seria bom que aos interesses imediatos desta ou daquela família política, país ou grupo de países encarados de per si, fizesse prevalecer o interesse geral que à solidariedade, como bandeira e acima de tudo, deveria ostentar com o orgulho determinado de quem dela faz a sua própria identidade.
Sim, a solidariedade, cimento que os tempos à União a convocam e não outro interesse particular ou chauvinista.















Jaime Latino Ferreira
Estoril, 18 de Novembro de 2015



sábado, 14 de novembro de 2015